domingo, 4 de janeiro de 2015

O Veneno de Minha Alma - Parte 3 (penúltimo)

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                Já era noite silenciosa quando os cavalos de Simion e Hiraeth anunciaram sua chegada, partindo um galho seco, provocando um estalar agudo. Avistaram a silhueta dos dois anfitriões que os esperavam — ambos se levantaram ao mesmo tempo na chegada dos visitantes. Ao lado deles havia uma gruta aquinhoada a um paredão de rocha escarpada, a montanha alta.

                — Illith e Urungoy — pronunciou Hiraeth quando aproximou o cavalo dos dois. Ambos fizeram uma mesura rígida e depois repetiram o movimento à Simion. O elfo os observou através da penumbra e forçou-se a não retorcer o rosto em desprezo. Os dois não haviam apenas atraído o asco de Simion como também seu ódio. Se havia seres mais desprezíveis que àqueles dois, o elfo ainda não conhecera em vida.

                O bruxo a que chamavam de Illith, estava sob uma capa de um veludo azul desbotado e empapado de sangue seco, indicando o carniceiro, que Simion sabia, que ele era. O capuz maltrapilho sobre a cabeça ajudava a esconder os cabelos ralos e esburacados, que compunham a figura simiesca que era seu rosto. Um dos olhos possuía uma cicatriz grotesca que há muito havia lhe tirado a visão e em troca deixado o olho leitoso. Simion imaginava quão desgraçado havia sido a falha daquele ataque — não concedia perdão à quem não havia arrancado a vida do maldito. Já Urungoy era mais alto e encorpado, escondendo o peito largo e deformado por debaixo da túnica negra. Assim como o outro, abrigava o rosto por de baixo de uma toca, mas o queixo protuberante elevava-se para frente revelando os dentes tortos, paralisados no sorriso sínico e maldoso da expressão ordinária. As manzorras cheia de calos e pústulas sugeriam à Simion que o homem fosse capaz de torcer o pescoço de um cavalo apenas com força bruta. Não importava.

                Aquilo logo teria um fim.

                Simion apeou do cavalo e aproximou-se de Hiraeth ajudando-a desmontar. Illith aproximou-se dos dois com as mãos juntas.

                — O local está todo pronto, armamos o terreno conforme a posição do luar — veio sua voz arranhada.

                — Ótimo. — disse Hiraeth. — Qual será o serviço prestado no ritual de vocês?

                O elfo viu a cicatriz do homem se retrair junto ao rosto de alegria antecipada enquanto movia suas mãos freneticamente, limpando algo invisível como um mosca.

                — A juventude de uma moça — respondeu ansioso.

                — O sangue de um abençoado. — disse Urungoy, logo atrás.

                Sem querer saber o que ganhariam em troca, Simion achou ambas respostas suficientes para ganhar sua aversão. Aparentemente Hiraeth também não quis saber.

                — Sem mais atrasos, vamos logo. — ela ordenou.

                Os quatro entraram pela caverna lodosa, arrastando os cavalos sob o protesto dos mesmos — os animais sentiam o ar hostil, viam que àquele lugar tinha algo de errado. Sob os relinchos langorosos, foram levados até uma baia improvisada que havia no caminho. Uma vez amarrados, Simion, Hiraeth, Illith e Urungoy se colocaram a caminhar subindo uma rampa natural da gruta, num aclive escorregadio, até se depararem com uma porta de madeira e bronze, ladeada por dois pedestais de archote com figuras demoníacas esculpidas na base.

                Hiraeth tomou a frente, ergue as mãos na direção da porta e entoou palavras ininteligíveis. Ouviu-se um estampido sinistro do outro lado da parede e então a porta destrancou.

                — É hora. — proclamou Hiraeth. E entraram.

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