quarta-feira, 3 de novembro de 2010

27 Dicas para Escritores

Antes de mais nada, de Cesar o que é de Cesar:

Este post não é meu. Ví essas 27 dicas no antigo site do famoso J.M. Trevisan, também conhecido como Doutor Careca.

Achei ótimas dicas para tanto os iniciantes quanto os já um tanto preparados; segundo ele algumas delas vieram de alguns colaboradores via Twitter e outras do Leonel Caledela (escritor da Trilogia Tormenta, O Caçador de Apóstolos...).


1 – Não pague para publicar. Fazer isso é pagar para trabalhar, o que é estúpido e errado.

2 – Se você passa mais tempo criticando o texto dos outros na internet do que escrevendo os seus, tem algo errado. MUITO errado.

3 – Você tem o direito de errar, mas ao menos tente escrever direito sempre. Editores ignoram quem acha que informalidade é um passaporte que dá direito à burrice.

4 – Tente usar papel e caneta no primeiro rascunho. Assim você ganha uma revisão de bônus ao passar para o computador.

5 – Seu sobrenome não é Tolkien. Sério.

6 – Reescrever é importante, mas saber parar também. É bom lembrar que não existe texto perfeito.

7 – Ter um texto publicado é um passo importante, mas não significa que você já é um escritor. Você provavelmente não é. Por enquanto.

8 – Escreva, coloque o texto em uma gaveta e esqueça dele por 3 semanas. Releia. Corrija. Repita o processo.

9 – Sim, escrever todos os dias é importante. Mas aí é um caso de “faça o que eu digo, não faça o q eu faço”:).

10 – Boas histórias não tem tamanho fixo. Se você não consegue escrever nada longo, escreva bem algo curto.

11 – Qualquer mídia merece ser observada e pode servir de inspiração. Até a novela das 8.

12 – Invente exercícios que explorem seus pontos fracos. Exercite-os ao invés de ignorá-los.

13 – Originalidade é apenas um detalhe. Preocupe-se em contar uma boa história.

14 – Talento não existe. Existe vontade e trabalho.

15 – Leia pra caralho. Sério. E saia de sua zona de conforto. Leia outros gêneros e mescle estilos.

16 – O melhor modo de aprender a escrever bem, é escrever mal. Dê-se o direito de escrever montes de merda. E melhore.

17 – Reescreva seu texto. Nenhuma história fica boa logo de cara. Nunca. Não vai ser diferente com você.

18 – Não importa o que sua mãe ou professora diga, você só é um escritor fodão até conhecer alguém melhor que você. E existem muitos.

19 – Conviva com outros escritores, troque ideias, aprenda novas técnicas e a reconhecer o talento dos outros.

20 – Escritor novo não tem que pensar em trilogia. Tem que escrever contos. Muitos. Até enjoar. Até vomitar no teclado.

21 – Quando se recuperar do enjoo de escrever contos, respire fundo, conte até 10… e escreva mais contos.

22 – Descrições detalhadas são legais quando necessárias. Mas lembre-se que às vezes o melhor mesmo é ir direto ao ponto.

23 – Quer testar seu diálogo? Leia em voz alta. Se não soar natural, arrume até que funcione.

24 – Um autor ruim que bota seu trabalho na roda é melhor que qualquer suposto gênio que tem medo de dar a cara pra bater.

25 - Antes de procurar inspiração em algum lugar, observe a sua vida. Ela também serve. Mesmo se for uma merda.

26 – Não jogue ideias fora. Anote o que puder e guarde. Um dia vai ser útil.

27 – Você pode criticar um autor ruim de sucesso, mas tente também entender porque ele é rico e você continua no boteco tomando Itaipava.


E por último, como disse o próprio Leonel Caldela:

A principal (e que vale para todos nós) é: escreva. Não, não quero ouvir desculpa. Escreva. Agora.


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domingo, 4 de julho de 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Conto - Um Prólogo

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NOITE.
Era noite daquela vez em que o silêncio predominava. Uma monotonia de silêncio sendo quebrada constantemente pelo som do vento forte, e pelo barulho das folhas no chão.

As copas das árvores se movimentavam com força, empurradas para um lado, puxadas para o outro. Uma plena dança desordenada de movimentos e balanceios. Pois ventava. Ventava forte.
As raízes firmes e grossas cravadas contra o chão, lutavam para manter o tronco firme, ali. Mas mesmo assim, o movimento continuava, quase arrancando as árvores do solo.

No breu dominante, um vulto; e dele, uma silhueta.
Sentado atrás de um dos troncos do lugar, uma forma tão escura quanto as sombras da região se mantinha em silêncio, ouvindo apenas o barulho natural das coisas ao redor: O som da tempestade e das árvores furiosas. Mantinha-se quieto, em silêncio.

Pois estava ferido.

Olhou para um lado e para o outro, evitando ter de virar a cabeça para as direções. Tentando apenas enxergar com o que a vista permitia.
Ofegava baixo, o peito subindo e descendo rapidamente em movimento acelerado. Faltava-lhe fôlego, mas ainda sim respirava.

Silêncio total. Sempre.

-- Vou sair dessa? – Murmurou pra si mesmo, perguntando o que qualquer um perguntaria naquele momento.

Nesse exato momento, Cristopher se lembrou das várias vezes que ele se perguntara a mesma coisa. Lembrou-se das vezes em que as situações já haviam se revelado para ele de forma assustadora. Quantas foram elas, em que as emboscadas de aventuras, combates e perigos tinham se mostrado traiçoeiras? Foram diversas. Centenas de vezes em que teve de sair de problemas iguais ao que passava naquele momento. Tantos combates, inúmeras batalhas. Incontáveis demandas. Ferimentos abertos e injúrias sofridas. Apenas para serem curadas com dons divinos ou cuidados médicos.

Quantas cicatrizes desapareceram? E quais eram as que ainda tinha no corpo para lembrar-se das vitórias? Ou aquelas, para lembrar-se das derrotas.
Sim. Pois essas marcas, muitas vezes, eram os troféus dos guerreiros.
Cristopher era um deles. Um Cavaleiro.

Havia participado de muitas batalhas, e as situações sempre exigiam vida ou morte. Recebera dezenas de missões, vencera centenas de combates. E da mesma maneira que perdido alguns deles. Havia passado por tudo que um guerreiro poderia provar na vida de aventuras. Mas naquele momento, viu que não; não tudo.

Sangue escorrendo, vermelho pingando.

Tinha retalhos e cortes por todo o corpo. Ferimentos de todos os tipos: Graves e leves. Cortes e perfurações.
O punho esquerdo fechado fortemente, enquanto a mão direita mantinha-se espalmada sobre o ombro, tentando segurar uma das hemorragias. Em cima do colo, uma espada de aparência incomum. Seu cabo parecia uma mão macabra e sua lâmina lembrava uma foice.

Os dentes trincavam e serrilhavam-se. Ofegos. E um som.
Pensou ter ouvido alguma coisa. Inclinou o corpo para o lado, e escorou-se na madeira atrás de si, deixando a cabeça parcialmente para fora do esconderijo, procurando rapidamente com o olhar, o inimigo.
Não viu nada, e voltou-se novamente para trás da árvore. Abaixou a cabeça, forçou os dentes de encontro uns aos outros. Grunhiu. Inspirou.

-- Vou sair dessa? – Murmurou, repetindo consigo mesmo.

Tantas foram as vezes que havia dito a mesma coisa. Dezenas de vezes em que havia perguntado isso para si.
Todas, pelo menos que se lembrava naquele instante, havia saído com vida. De outra forma, teria sido revivido por algum sortilégio divino. Clerical. Afinal, estava ali naquele momento; vivendo aquelas cenas. Encarando aquele momento. Mas será que sairia vivo dessa?
Apesar da tudo que havia passado na vida de aventureiro, tudo parecia não ter sido como uma simples aprovação para ver se chegaria ali, naquela situação. De qualquer forma, se isso fosse verdade, havia conseguido. Passou por todas as provações. Todos os obstáculos, todos os combates.

Lembrou-se de amigos. Familiares. Amores.

Todos lhe vieram em sua mente como imagens rápidas. Todos que amava e aqueles que, infelizmente, havia perdido. E as pessoas, que ainda tinha ao seu lado, que ainda podia abraçar.

Lembrou-se também dos inimigos que odiara. Aqueles que havia combatido. Que havia vencido. Os inimigos que conseguiu matar. Daqueles que também tinham morrido não por suas mãos, e sim pelas mãos de outros adversários que eles mesmos tinham. Nas mãos do destino.
Inevitavelmente, começava a pensar sobre os que estavam vivos. Inimigos que esperava um dia, se deparar novamente para poder acertar as contas.

Tantos amigos e inimigos. Amores e ódio.

Mas agora se perguntava: viveria o suficiente para lutar mais vezes? Afinal, o momento era sombrio. A vida parecia se esvair, se fechar para ele naquele instante. Na escuridão, ele enfrentava um Lorde do Mundo dos Pesadelos.

Pensou ter ouvido novamente algo.
Rapidamente, deslizou as costas na árvore, inclinando-se de leve para o lado. Virou o rosto, e o colocou para fora do esconderijo. Nada.
Até que então, notou algo. O vento parara.
Rodou os olhos para cima, como se conseguisse ver o movimento constante de ar parando. Ouviu alguma coisa.

Começou a perceber um som agudo ao longe, se aproximando em alta velocidade. Transformando-se em algo brusco. O som tornou-se forte, cada vez mais barulhento.

Arregalou os olhos de imediato, e jogou o corpo para o outro lado da árvore, procurando enxergar o outro flanco. E tudo escureceu. Tinha errado; havia sim algo.
Viu a área se tornando mais negra, mais escura. Foi então, que viu uma rajada poderosa de trevas, consumindo toda a vegetação por onde já havia passado. Vinha ao seu encontro.
Saltou para longe, tendo seus ferimentos alargados ao movimento, sentindo o sangue jorrar ao cair no chão.
A árvore foi acertada, e em questão de segundos, sua composição era negra, e pastosa. Explodiu.

Os pedaços voaram para todas as direções, e fez com que a terra onde a árvore estava, subisse aos céus. Copas foram arrasadas. Madeiras negras e quentes voaram, e depois tombaram contra o solo.

O cavaleiro manteve-se no chão, de cabeça baixa e dentes trincados. Tentava resistir a dor o máximo que podia. Ouviu então os passos de alguém se aproximar. Sem tempo para dor. Saltou para trás depois de uma cambalhota, botou-se a ficar de pé, fitando a cortina de fumaça negra estabelecida no lugar.

Da névoa negra, uma silhueta foi se formando. Tomando forma, até sair de lá, um homem alto, corpo rígido e de pele escura. Cabelos curtos, revoltos, em constante movimento.
Um sorriso se formou no semblante do Lorde, mostrando o tom de insanidade maligna de quem sabia sobre o assunto, e os caninos pontiagudos pedindo sangue.
O demônio mirou o cavaleiro no chão, mantendo o sorriso maquiavélico ao rosto Ergueu de leve os braços que seguravam firmemente duas espadas bastardas de lâminas escuras.

-- Por que se esconde Cavaleiro? Já está ferido ao ponto de implorar por piedade? – Mantinha o sorriso que aos poucos se alargava mais.

Cristopher mirou o sorriso e os olhos demoníacos do Lorde e enrijeceu o corpo. Flexionou de leve os joelhos e tomou ás mãos, a espada.


-- Dagoon... – Pronunciou o nome, confirmando a presença do inimigo, enquanto já ficava na defensiva.

O Lorde demônio não esperou mais tempo. Saltou para frente em um giro ligeiro, e fincou os pés no chão, ganhando impulso e avançando contra o cavaleiro. O mesmo manteve-se firme por alguns instantes, até dar um pequeno salto de distância para trás. Firmou os pés.

Espada contra a cabeça e um encontro de ambas as lâminas. Mantiveram se encarando enquanto as espadas se cruzavam acima da cabeça do cavaleiro. De repente, um som agudo; e a outra espada profana do Lorde veio rasgando o ar pelo flanco.

Cristopher movimentou as mãos de forma rápida, e a arma de seu inimigo que já trincava com a sua, deslizou para o lado, indo de encontro a outra que se aproximava. Trincaram-se por mais alguns segundos, até deslizarem e começarem novos ataques e defesas.
Luzes rápidas nasciam e desapareciam em instantes no ar. Barulhos constantes de encontro das lâminas, seguidos ataques repelidos com destreza, e cortes contra o vácuo. Saltos para trás.
Como se fosse combinado; ambos no mesmo instante pularam para longe, tomando distancia segura um do outro.
O Lorde em sorriso, o cavaleiro em ofegos.

-- Está morrendo Cristopher. – Sorriu.

O cavaleiro tentava manter o olhar firme em direção ao demônio, mas o suor escorria de seu rosto e se misturava aos rios de sangue que deslizavam da testa. Apenas um olho estava aberto, o outro se mantinha fechado enquanto ofegava forte, quase caindo de joelhos.

O coração batia rápido. Respirava forte. Buscava ar constantemente.
Arregalou os olhos!
Em um movimento rápido, o Lorde juntou as duas laminas das armas em frente ao corpo e estas brilharam em tom profano até dispararem contra o cavaleiro numa rajada negra.

Cristopher saltou longe para a esquerda. Corpo aos quebrados, pedindo descanso.
Puxou a espada de aparência estranha e a mirou para o demônio. Balbuciou palavras arcanas e disparou. Uma rajada de cor negra voou da ponta da lamina como um chicote; conseguiu acertar duas árvores e por fim ricochetear contra o Lorde.
O mesmo se surpreendeu, mas desviou o corpo para o lado, e se esquivou do golpe mortal.

Cristopher caído de joelhos. Perdeu força nos braços, soltando a espada ao chão. Braços suspensos no ar, corpo inclinado para frente. Ofegos constantes aumentado. Tiras de pele dançando por todo o corpo. Sangue escorrendo – sem chance de contra ataque algum.

-- Essa foi perigosa. – o Lorde sorria. – Vai dizer que não consegue mais lutar?
-- Vou lutar até meu último pingo de suor. Até minha última gota de sangue! – Falou o mirando diretamente, trincando os dentes, resistindo á dor.

A mente queria, mas o corpo implorava. Ferimentos abertos e expostos cuspiam o sangue para fora. A pele rasgada, os cortes profundos e a carne esburacada deixavam o escarlate escorrer. A dor era terrível, mas tentava heroicamente resistir. O demônio sorriu mais largo.

-- Você está morrendo, Cristopher. – Repetiu ele. – Aceite uma morte sem dor, eu a lhe darei.

O cavaleiro em silêncio, mirando-o em raiva.

-- E depois prometo fazer seus amigos sofrerem muito.
-- Nunca!
-- Você que sabe.

O Lorde avançou. O Cavaleiro pegou a espada novamente do chão.
Cristopher já havia sofrido inúmeras injúrias, e várias vezes, quando a situação parecia se tornar irreversível, ele aceitara a morte. Contudo, nunca acreditara ter feito o suficiente pelo mundo. Sempre acreditava que poderia fazer mais, ajudar mais. Afinal, era isso que um Cavaleiro Libertador fazia. Além de levar o nome de sua Deusa para o mundo, era também responsável pelo bem das pessoas a sua volta. Pela proteção delas. Como um Paladino.

Sim, e ele o fazia com afinco. E apesar de achar que podia fazer sempre mais; nas situações irreversíveis ele aceitava a morte de frente, mas não sem lutar.
Contudo, os amigos que lhe cercavam eram o seu ouro. Sua fortuna.
Ele os amava com todo o seu ser, e costumava lhes proteger sempre que era preciso. Ajudava-os sempre que necessário. Estava presente sempre que podia. Nada mais, feria o cavaleiro do que uma ameaça aos seus amigos, ou principalmente, à sua esposa.

Ele recebeu a mensagem de Dagoon como um dardo no peito. E o ódio o fizera ficar de pé. Levantou-se de imediato preparando-se para o ataque do Lorde. O mesmo movimentou as espadas, já preparando o golpe. Sorriso no rosto do demônio. Trincares de dentes no semblante do cavaleiro. Ondas de imagens de todos os seus amigos vieram-lhe em mente. Milhares de lembranças reacenderam em sua memória. E uma rajada contra o peito.

Cristopher tomara um dos ataques profanos do Lorde demônio sem que percebesse. Voou para longe com as chamas negras consumindo-lhe a carne e bateu com as costas em uma árvore.
O sangue parara de esvair. O coração acelerado começava a bater mais lento. Os ofegos já tornavam-se poucos. A vida se esvaía – o mundo ficando escuro, e o som desaparecendo.

Cristopher não via mais com clareza, não ouvia mais com precisão. Apenas sentia o coração palpitar de lento no corpo, batendo como um tambor que fazia tudo tremer. As imagens voltaram à sua mente. As lembranças se ascendiam. E começava a ver toda a vida percorrida em questões de segundos.
Todo o início. O começo.

Viu que era de dia...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Conto Longo - A Praga do Gelo

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-- Me falaram que tudo começou com uma grande luz no céu. Ela vinha se aproximando, mais, e mais, quando caiu e explodiu nas montanhas. Foi aí então, que o inferno começou.

Estavam os sete acampados; Lionel, Guilliat, Zara, Andressa, Eidan, Doromar e Alice -- todos em volta da fogueira que se mantinha relutante em ficar acesa. Ouviam Doromar, o anão, falar sobre como tudo começou.

-- Parece que o deus dos céus rogou uma praga contra nós. -- o anão olhou para o céu boreal -- Lançou uma de suas esferas flamejantes contra as montanhas, talvez para destruir meu povo.

Lionel, quieto, prestava atenção na história e nas formas do amigo de contar a história. Percebia que realmente havia mudado desde o ocorrido. Guilliat puxou um escarro fundo e cospiu no chão. Entortou os lábios roxos num sorriso.

-- Meu povo tem tido dificuldade para apresentar as oferendas ao deus-céu. – disse – Achar comida de uns meses para cá se tornou uma atividade batalhadora -- Doromar respirou fundo e expeliu o ar gelado pela boca -- o que achamos nós guardamos para nós mesmos. Estávamos egoístas. Alimentávamos a nós mesmos como ursos. Usufruindo da gratidão que os deuses nos davam, enquanto nem sequer mantínhamos a oferenda aos deuses.

Apesar de ser um bárbaro, Doromar falava mais como um anão guerreiro do império, ou qualquer outro ser civilizado -- era engraçado, principalmente para Guilliat, ver o amigo baixote falar como um aristocrata e ao mesmo tempo sobre um assunto tão barbárie.

-- Isso é ridículo -- Guilliat deu uma risada.

Lionel reprovou o irmão com um olhar.

-- Nós fracassamos com nosso deus protetor -- o anão continuou -- E ele como o justo que sempre foi, nos avisou sobre nosso fracasso.

-- Não seja tolo, -- disse Eidan dessa vez -- o deus-céu não iria lhes impor um castigo desses. Não sei muito sobre os deuses como Alice, -- olhou-a -- mas sei que seu deus não iria rogar-lhes uma praga contra só pela falta de oferendas do seu povo.

Alice, como uma clériga e conhecedora sobre o assunto, concordou.

-- Mesmo assim, ainda sinto a necessidade de me redimir.

-- Então o faça -- dessa vez foi Zara, com sua voz impassível que não beirava à sutileza, mas de forma abrupta acordou os ânimos do anão. -- Salvar a nós todos dessa catástrofe vai repor sua honra e a de seu povo com seu deus.

Doromar gostou da idéia. Bateu com o punho direito na armadura e gloriou o céu em um idioma anão misturado ao bárbaro.

Eram sete ao todo. Lionel, o líder, tinha cabelos loiros e olhos verdes brilhantes no escuro, e sua paciência, orgulho e coragem o nomeavam como o bom ditador que era. Já Guilliat, seu irmão, por outro lado descontraía tudo que Lionel não o fazia, e embora seus cabelos negros relaxados e seu sorriso debochado puxasse a pior das imagens para um herói, sua habilidade como espadachim era indiscutível.

Doromar, o anão bárbaro das montanhas de gelo, sempre foi o mais rijo da equipe, mas agora se mantinha com o papel de mais abatido. Era de costume de seu povo -- os bárbaros das montanhas -- fazer oferendas aos deuses, dando parte da carne de sua caça como um ritual em homenagem ao céu e ao reino dos deuses. Todavia os tempos de caça se tornavam escassas já que a dificuldade de achar animais para alimentar-se tinham se tornado tarefas difíceis devido à época.
Não demorou, para que os bárbaros tivessem que optar por guardar comida para si mesmo e viverem com o pouco de alimento que tinham A oferenda foram deixadas em segundo plano. Por isso, Doromar achava que a catástrofe havia acontecido por sua culpa e também de seu povo. E, isso é claro, afetava o anão.

Eidan era o mateiro Ranger das antigas florestas élficas; paciente, preciso e calculista, falava pouco mas sempre ia direto ao ponto -- assim como sua flecha.
Havia também Zara, cabelos vermelhos, armadura prateada e músculos torneados. Entrou para equipe quando mostrara seu valor no campo de batalha para o grupo há cinco anos. Desde então, deixara de ser a nômade que era -- e embora a história de seu passado ainda se mantivesse em segredo, já havia conquistado a confiança de todos ao tomar várias vezes a liderança, quando Lionel não podia ou não tinha as condições para isso.

Também havia Andressa e Alice, as duas novas da equipe. Alice tinha quase um ano no grupo, e tinha pouco mais que dezenove anos de idade. Formara-se como sacerdotisa há pouco tempo também, mas fora por decisão própria. Decidira viver por longo tempo como acolita, recebendo todo o conhecimento sobre os deuses para ajudar os necessitados no templo onde morava. Mas fora uma das primeiras vítimas da Praga.
Sua vila foi morta com o efeito da catástrofe, e quando a Praga atacou, teve a sorte de, além ser a única a sobreviver, encontrar o grupo de aventureiros que lhe ajudaram a sair viva. Desde então, tem sido cada vez mais devota com suas funções na equipe.

Já Andressa, a Maga especialista, pouco falava e muito observava. Fora convocada pelo palácio do Reinado para ajudar o grupo na empreitada da demanda. E, embora se mantivesse oculta por todo o tempo, já mostrara seu poderio arcano quando foram atacados por diversas criaturas durante a viagem. Quando os monstros não eram fulminados pelas setas rápidas de Eidan, eram aniquilados pelas magias devastadoras da conjuradora.

Tudo acontecera há pouco tempo: a missão, a catástrofe, a praga.
Há um mês, nas geleiras das grandes montanhas, uma esfera flamejante -- grande o bastante para derrubar um castelo -- acertou grande parte das montanhas de neve e rachou enormes camadas de gelo. Uma onda devastadora de frio explodiu e se expandiu pelos cantos norte e sul, guiando e carregando o clima gelado.
Tudo o que se sabia ao certo, é que quando a explosão ocorreu, os povos mais próximos morreram e o restante fora afetado por uma doença abrupta.

O inverno chegara mais rápido que de costume, e o número de mortes aumentava de forma avassaladora.

Os dias se passaram, até que o primeiro registro fora feito na vila do leste de Kallomina. Uma vila inteira foi chacinada por pessoas que evidentemente deveriam estar mortas.
Os Zumbis-da-Praga, assim chamados, vinham sendo o assunto mais importante de todos os reinos. O mundo congelava em regiões onde nunca sequer havia-se visto gelo; e pessoas morriam aos montes, para só então retornarem em seguida como mortos-vivos.

A catástrofe, a Praga; a investigação.
O grupo fora chamado para resolver o mistério. As terras do norte vinham a dar menos notícias nos últimos tempos, e pessoas que morriam vinham sendo queimadas pelo bem futuro das que continuavam a viver.
Como se não bastasse, a religião pregava o mal do ato: a cremação era uma ação contra os deuses, cujas almas e espíritos nunca poderiam encontrar o reino espiritual, nunca achando a paz eterna.

A situação vinha ficado crítica, tanto para a população quanto para as crenças religiosas. Era mais preocupante do que se pensava.
E o grupo fora chamado para resolver parte do assunto -- descobrir qual era o mistério.

-- Deveríamos partir. -- a voz de Andressa não era muito ouvida, mas quando feita, era bastante percebida. -- Logo uma tempestade de neve chegará.

Eidan olhou para o céu limpo e boreal. Nada.
Guilliat também o fez.

-- Não vejo nenhum rumor de tempestade -- falou.

-- Mas ela está certa. -- foi o anão -- Aqui nas montanhas vocês não estão acostumados com o frio traiçoeiro, mas a tempestade anuncia sua chegada em silêncio. Precisa-se ser habilidoso e ter muitos anos de convivência para aprender a ler os avisos do vento.

Guilliat ainda olhava o céu. Nada.

-- Não conheço muito do gelo -- foi Eidan -- mas sei da natureza. -- levantou e bateu contra a neve na capa. -- É melhor recolhermos nosso equipamento e partirmos o quanto antes.

Todos olharam para Lionel, esperando a decisão do líder.

-- Não vou contrariar dois conhecidos do assunto. -- olhou Andressa e Doromar. -- Recolham suas coisas. Chega de descanso, vamos partir.

Todos se levantaram, e o frio abraçou-lhes até os ossos. O pouco fogo que restava estalou e apagou por fim. Guilliat deu um grunhido de preguiça e um murmuro de descontentamento: anda não, pensou com sigo.

Estando prontos e de mochilas nas costas, repassaram os planos e a formação da caminhada. Verificaram os armamentos, os mantos e as armaduras. Por fim:

-- Vamos.

E foram. Lionel tomou como primeiro da fila, e o grupo foi em seguida, mantendo suas posições e funções marcadas.

Guilliat como último, terminava de amarrar a mochila nas costas. Voltou-se para frente e percebeu o grupo já a muitos metros à frente.
Bufou, apertou as mãos e olhou pra cima.

-- Mas não tem nada no céu, oras. -- reclamou.

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E antes não havia nada no céu, a não ser as luzes de boreal e alguns sinais de estrelas indecisas; mas o tempo fechou, e a neve começou a cair forte contra tudo e contra todos. E não demorou, para que lâminas e armaduras começassem a congelar.

-- Não consigo ver nada! -- gritou Zara contra o vento.

-- Continue -- Doromar parecia falar naturalmente, como se nada acontecesse. -- Apenas sigam em frente.

E apesar de seguirem as instruções do anão, ficava mais difícil se manter sequer em pé, e muito menos seguir caminho adiante.

O vento soprava com força em sentido oposto ao grupo, como se o próprio tempo amaldiçoasse os intrusos daquela área. Gelo começava a brotar das partes sólidas dos trajes de cada um, e a neve sobrecarregava as capas e o metal da armadura. As espadas não saíam mais das bainhas -- o que era preocupante caso houvesse alguma emboscada -- e, como se já não bastasse terem de lutar contra o vento que os empurrava para trás, também tinham de lutar contra o frio que os matava lentamente e contra o gelo que os enrijecia no chão. O anão soterrado pela cintura e o grupo pelos joelhos.

Doromar trocara a posição com Lionel, mantendo-se agora na frente, guiando o grupo com sua experiência natural naquele tempo que todos batalhavam. Eidan também trocara sua posição, ficando logo ao lado do anão -- embora não fosse tão exímio com o frio e a neve como o bárbaro, era um mateiro e conhecedor da natureza, e além de tudo, um elfo. Mantinha a audição atenta ao redor, ouvindo o vento sibilar contra suas orelhas, e prestando atenção ao campo de visão. O ranger guiava o grupo seguindo as instruções perto de Doromar -- era curioso o calmo relacionamento dos dois, se tratando que um era um anão e o outro um elfo.

-- Minhas pernas estão congelando! -- era Zara novamente -- E minha arma está ineficaz! Se continuarmos assim, perderemos nossos armamentos para sempre!

Lionel; mãos cruzadas à frente do rosto, seguia mirando o que conseguia, apertando os olhos e seguindo em frente. Ouvia, mas se mantinha sem dizer nada.
Andressa abraçada com seus mantos de maga, também permanecia impassível.

-- Lionel! -- Zara.

O anão à frente, guiando-os. O elfo atrás, prestando atenção nos amigos, mas ainda com o olhar adiante.
Lionel; quieto.

-- Para o inferno, irmão! -- rugiu Guilliat. -- Vamos achar um abrigo! Mande Doromar achar um lugar para nos recolhermos!

Todos olharam. Lionel tentou fazer um gesto.

-- Agora mesmo! -- Guilliat exaltou aos berros.

-- Doromar! -- foi então a voz de Lionel mais alta que a de todos os outros, até mesmo que a do vento. Todos pareceram mais quentes ao já sentirem as ordens que estavam por vir do líder: achariam um abrigo. -- Doromar! Precisamos achar um abrigo!

Eidan sentiu necessidade de repassar a mensagem para o anão; ele parecia não ter conseguido ouvir, mas Doromar fez passar a idéia abanando a mão.

-- Não precisamos.

Todos se entreolharam.

O anão deu algumas risadas e olhou o grupo sobre os ombros:

-- Já chegamos.

E então todos prestaram mais atenção e viram através da tempestade, a grande área que antes era uma das mais importantes vilas do local.

O chão já não era mais a neve profunda que percorriam soterrados antes. Agora todo o extenso local era coberto por uma camada lisa de gelo que congelava em uma cor esquisita. As casas e grandes estabelecimentos ainda estavam lá -- ou pelo menos as carcaças delas. Algumas das residências estavam evidentemente destruídas; fossem por completo, ou apenas pela metade.
Algumas das estruturas também se mantinham indecisas: parte coberta por gelo, parte não.
O chão explodia em volta, e grandes estacas de gelo maciço se erguiam da crosta e montavam uma fileira de dentes; como pilares de boas vindas -- os novos portões da cidade -- uma coroa feita de gelo.

Fora isso, o que mais havia por lá não conseguiram ver. Mesmo assim, não tardaram em se arrastarem com pressa para um abrigo próximo que pudessem se proteger do gelo e do frio.

-- Vamos entrar em uma casa! -- Andressa mais uma vez ecoou sua voz que tão emudecida às vezes se fazia ouvir -- Vamos pra um estabelecimento.

Todos concordaram e seguiram.
Depois de minutos percorrendo o lugar, atravessaram a neve e subiram no terreno um pouco mais acima. Mantiveram-se equilibrados contra o vento que os empurrava para trás e logo em seguida passaram pelos enormes estalagmites. Por fim, chegaram até um amontoado de madeira fria, e logo, entraram no que parecia ser uma pousada.

Porta fechada e travada, o barulho do vento já parecia mais distante e o pouco do calor cobriu-lhes por um tempo. Agora estavam sob um teto.
Só ouviam a si mesmos: os ossos tremendo, os engasgos e ofegos ecoando.

-- Não creio que... -- Guilliat batendo os dentes -- Você passe por isso às vezes.

-- Às vezes não -- foi Doromar, o olhando de lado. -- Sempre.

-- Você é louco!

-- E nós estaremos mortos -- retomou, Lionel -- se não nos esquentarmos e não ficarmos quietos.

-- Não sabemos se há alguém vivo ainda por aqui – disse Andressa -- É bom termos cautela.

-- Quem estaria vivo? -- foi Zara -- Ninguém sobreviveria muito tempo por aqui com esse frio. Nem nós conseguiríamos sobreviver mesmo que tivéssemos boas providências.

-- Não quis dizer pessoas vivas. -- Andressa olhou-a -- Quis dizer mortos-vivos.

-- Deuses... -- Alice juntou as mãos geladas e fechou os olhos em uma oração rápida.

-- Disseram algo sobre zumbís do gelo, não foi? -- virou-se Lionel.

Confirmaram.

-- Então é possível.

-- Isso não é o importante agora. -- rugiu Doromar -- O importante, agora, é acharmos mais cobertas nesse lugar e nos alimentarmos bem. E sugiro que seja sob o calor de uma boa fogueira.

Todos concordaram com o anão.

-- Vou procurar por providências. -- Eidan partiu pelos corredores e escadas do lugar.

-- E eu, vou fazer o fogo. – disse Andressa.

-- Não gaste suas magias -- foi Alice. -- caso o pior aconteça, precisarão de nossos recursos.

Andressa entendia e deixou para que Guilliat ficasse no encargo da pederneira e do isqueiro para fazer o fogo.

Embora os dons utilizados por Andressa e Alice fossem distintos, ambas ainda assim entendiam as necessidades do descanso arcano e divino.
A maga precisava de um tempo de descanso para repor suas energias, e caso utilizasse de suas magias, precisaria mais ainda de tempo extra de estudo, para decorar um novo sortilégio de seu grimório arcano.
Alice, como uma clériga, também precisava do mesmo período de repouso, mas ao invés de consultar uma lista arcana, necessitava de orações fervorosas aos deuses para que eles lhe trouxessem os dons divinos que abençoavam o grupo.

E depois de um tempo, Guilliat havia feito fogo, Doromar reunido a madeira e Eidan trazido os cobertores e lençóis que achara nos andares superiores.
Para não gastarem a comida que carregavam apenas esquentaram-na um pouco para descongelá-las, e decidiram por usar o pouco -- mas suficiente -- alimento que Lionel achara em alguns dos aposentos do lugar.

E ali se mantiveram comendo e esquentando-se sob cobertas e calores da fogueira. Mantinham o círculo para que um aquecesse mais rapidamente o outro, exceto Zara, que se matinha um pouco mais distante concertando o fio congelado de suas armas, e Eidan, que verificava com atenção extra seu arco e suas flechas -- tomando o cuidado para analisar se nenhuma madeira de ambos haviam se envergado com o frio.

-- Situação do lugar? – perguntou, Lionel, depois de um silêncio prolongado.

-- Andares superiores nada. – foi a resposta automática de Eidan, mantido mais distante com suas flechas. – Depois das escadas há um corredor com alguns quartos. Três deles estão em plena bagunça. Foi de onde tirei os cobertores. Uma porta está congelada e impossível de se abrir.

Vento ao fundo.

-- Não há outros? – perguntou Lionel.

-- Sim. Os outros estão completamente destruídos e soterrados. – Eidan guardou a flecha que analisava e pegou outra estirada ao chão. Equilibrou-a entre os dedos analisando a superfície dela. – No meio do corredor também há soterramento – guardou a flecha e pegou mais uma. – O teto caiu por completo e tampou a passagem para o que há do outro lado. – olhava bem a flecha entre os dedos e fez uma pequena careta, franzindo o cenho. Jogou a flecha fora. – Estragada.

Todos ainda em silêncio observavam a fogueira. Lionel meneou a cabeça dizendo que entendia. Doromar sentava do lado de Alice e lhe explicava truques de como esquentar as mãos de forma mais rápida naquele frio e de baixo de uma única fogueira.

-- Raios – Guilliat enfim resmungou – E o que há nos andares inferiores, irmão?

-- Não muito, também. – Lionel puxou as mãos e assoprou quente contra elas e as raspou uma contra outra – Só a despensa e a cozinha. Tudo uma plena bagunça. Portas e janelas congeladas e soterradas.

-- Estamos presos nesse grande amontoado de merda congelada! – Guilliat resmungou revoltado como sempre. E todos souberam que já estava tudo bem com ele.

Alice deu algumas risadas e até Zara não se conteve também em sorrir de canto. Lionel balançou a cabeça negativamente, mas aprovava – sabia que era a forma do irmão de animar a todos e ao mesmo tempo dizer que estava tudo em ordem de novo.
Andressa tinha a fogueira brilhando em seus olhos de concentração mútua, e Doromar tinha de incertezas e seriedade preocupada.

“Culpa nossa. Culpa minha. Meu povo. Meu Deus. A morte.”, pensava.

Vento.
Fogo.
Vento.
Estalo:

Plac!

Todos saltaram de onde estavam e já se viravam pra direção do som de estouro. As mãos de Lionel, Zara e Guilliat saltaram para as armas. Alice juntou as mãos e Andressa mirou os dedos em riste no ar. Eidan, rijo, à espera e na escuta.

Doromar, incerto do que fazer.

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-- Odeio matar coisas que querem ser mortas! – Guilliat berrou uma bravata. – Venham seus filhos de uma rapariga! Se joguem contra as minhas lâminas o quanto quiserem, elas não se cansam e eu também não!

Já lutavam contra os adversários há quase dez minutos quando eles romperam as paredes sólidas de madeira congelada e brotaram aos montes como um estouro de boiada contra as lâminas de todos.

O grupo viu então que estavam em desvantagem naquele lugar. Alice podia usar seus sortilégios à vontade; por outro lado Andressa não tinha tempo para conjurar suas magias – o lugar era pequeno e os inimigos eram montes; o tempo e o espaço não permitiam.
Eidan, apesar de usar suas cimitarras, não podia utilizar-se de suas especialidades: o arco e as flechas. Zara e Doromar brandiam espada e machado (respectivamente) como insanos descontrolados, rasgando ar, parede, inimigos e às vezes quase os próprios aliados. No final, o espaço era pouco, e os inimigos aos montes. Desvantagem.

Decidiram então acabar logo com o desequilíbrio na batalha: abriram um espaço contra os inimigos formando uma fila única e maciça de aço e cortaram a muralha de corpos que se interpunham em seu caminho. Manobras e acrobacias, e enfim estavam do lado de fora. Espaço sem fim, gelo escorregadio e terreno traiçoeiro.

Os inimigos perceberam em um segundo os alvos fora do campo de batalha e se viraram como uma matilha para o terreno em aberto fora da pousada. Viram o grupo tomando posições de batalha, formando uma estratégia e um perímetro já calculado entre si – esperavam apenas o avanço inimigo, e enquanto isso firmavam-se lá, no meio do terreno que parecia ter sido um dia a praça da cidade.

Os inimigos vieram aos montes, caindo, tropeçando, se esmurrando; avançando em um desespero aterrador. Eram os zumbis-do-gelo, pessoas mortas de cor não só pálida como também azulada. Além, possuíam partes dos corpos substituídos por membros artificiais em uma forma orgânica e ao mesmo tempo imaculada; congelada. Pernas de estalactites, braços enormes feitos de gelo, espetos congelados brotando da espinha como enormes colunas, e outras mutações grotescas e bizarras que compunham aquelas criaturas que dificilmente acreditava-se terem sido gente algum dia.
E eles vinham aos montes, e em ódio desesperado e sede por sangue.

-- Firmes! – Lionel dava as ordens e todos se mantinham firmes. Os zumbis, vindo em uma corrida sobrenatural e velocidade imprópria para o sentido do nome: morto-vivo, tremulavam o chão.

-- Firmes! – bradou Lionel.

E os Zumbis avançando.

-- Firmes!

Corrida. Desespero – fome.

-- Firm...—

-- Para o inferno de firmes! – Guilliat interrompeu o irmão. – Sangue! – gritou e correu em um avanço contra o mundo de mortos-vivos que vinham como estouro de boiada.

-- Cubram-no, cubram-no! – Lionel aos berros. – Avançar! – e também voou contra a onda de inimigos, atrás do irmão.

As flechas de Eidan foram as primeiras a decolarem do arco, voando e rasgando o ar num som de assobio, até acertarem testa, pescoço e goela dos primeiros inimigos da fila.

-- Vivam com a natureza, apodreçam com a morte! – Eidan rogou uma praga e já puxara mais quatro flechas da aljava e disparava com precisão desumana contra a próxima fileira que se aproximava.

O mundo choveu flechas e sangue. Setas voando e assobiando ao cortar o ar – e trovejando ao acertarem os corpos.
Guilliat e Lionel corriam na linha de frente, avançando sem serem acertados pelas flechas que explodiam por trás deles. Lionel liderando em berros e amaldiçoando o irmão desobediente. Guilliat correndo e gargalhando como um louco no meio da violência.

-- Divirta-se, irmão! – ria – Divirta-se!

Os zumbis saltaram contra Guilliat que se aproximava como alvo da fome incessante dos mortos-vivos. Três por cima, caindo como barricadas contra o guerreiro, que girou puxando os Sabres e cortando os corpos em pleno ar. Correu mais uns metros, ainda gargalhando, e saltou sobre quatro dos inimigos caídos no chão, alvejados pelas flechas de Eidan. Guilliat saltou contra um grupo de oito e caiu rolando ao chão, decepando pernas, retalhando calcanhares e degolando gargantas.

Lionel corria logo atrás, começando a se aproximar enquanto os que chegavam pela sua frente não conseguiam alcançá-lo devido à chuva de setas que atravessavam seus crânios.

-- Quando isso acabar vou estrangulá-lo! – berrou Lionel para o irmão enquanto já se aproximava com a espada longa na mão.

Então veio o primeiro.
À frente de Lionel surgiu um morto-vivo com crostas de gelo e talhos de carne viva congelada. Seu peito aberto mostrando os orgãos internos, mas coberto por uma camada de gelo liso – uma armadura. Uma placa de gelo resistente que fazia parte dele mesmo. Os olhos do morto-vivo brilhavam um azul imaculado, sem sentimento, apenas vontade imortal e irracional. E a pele cintilava com um visco repugnante de cheiro ácido, que mesmo com todo aquele frio, ainda sim, fazia-se questão de escorrer.
Dos dois braços do morto-vivo projetavam duas crostas de gelo afiadas e semicirculares, como foices, e golpeava com mãos nuas, que na verdade, já eram armas por si só. Sua velocidade não deixava espaço para penetrar-lhe a guarda, e ele encontrava o ritmo de luta do guerreiro com um frenesi que não era fome. Talvez loucura, mas não fome.
Lionel recebeu dois cortes superficiais (por pouco) nos dois ombros antes que sua lâmina encontra-se carne morta na cintura do morto-vivo. Em urro de raiva e não de dor, o inimigo ergueu os braços e rasgou para os lados para encontrar o crânio do guerreiro. Lionel abaixou e deixou que o golpe passasse sobre sua cabeça, e num descuido diminuto do morto-vivo, Lionel puxou a espada de volta para si e ergueu-se sobre o próprio calcanhar, pulando e desferindo uma estocada precisa contra o queixo do adversário. A espada encontrou carne macia e podre e atravessou até encontrar o céu da boca do morto-vivo. Explosão de sangue, e num puxão, o crânio do inimigo se partiu em dois.
Lionel mirou os próximos e avançou. Desembainhou mais uma espada e naquele momento combatia com duas. Num movimento automático, defendia com o braço esquerdo, trincando espada, e girava cortando com o direito. Em seguida uma estocada.
E seguiu com a espada em borrões de corte e riscos de perfuração. Sangue pichando o chão.

Eidan mirou seu arco para a fileira de apenas um lado e começou a dardejar mais do que nunca. Disparava descontroladamente suas flechas contra peito, garganta, crânio e jugular. Cada seta fulminante.

-- Mas são mortos-vivos! – disse Zara antes de partir para a sua gloriosa matança. – Não pode matá-los com perfuração.

-- Você está certa. – disse Alice.

Zara pareceu não entender.

-- Por isso estou abençoando as flechas dele para que matem os mortos-vivos. – mantinha os braços estendidos – Cada uma dessas nas mãos do Eidan, são o caos!

-- Poder dos deuses? – sorriu Zara.

-- Poder dos deuses. – confirmou Alice.

E Zara partiu como a maníaca que era no combate. Se de longe ouvia-se as risadas de Guilliat, então de longe pôde-se ouvir os gritos frenéticos de Zara.
Seguiu mirando a outra fileira que estava livre e puxou a espada montante de suas costas. A arma foi arrastada contra o chão de gelo e veio criando faíscas no meio do frio e encontrando o aço quente contra a carne de dezenas. O ar explodiu de sangue e o chão explodiu de corpos. Avassaladora.
Cinco voaram contra a guerreira, implorando pela morte, mas Zara queria mais. Posicionou sua espada para trás e a trouxe num repelão, acertando dez, estourando crânios e triturando carne.

-- Eu recuso o frio, eu recuso a paz. Eu quero o abraço do calor e o cheiro da carne queimada. Eu invoco a ira. A ira dos Relâmpagos! – a voz de Andressa ecoou por um quilometro, e seu berro fez tremer as nuvens, que ficaram cinzas e despejaram luz e barulho. Do céu desceram raios que se tornaram centelhas que foram acertar cabeças. Chamuscaram carne morta e explodiram ossos empoleirados. Relâmpagos e relâmpagos.

O chão, já escorregadio de gelo, se molhou com sangue e derrubou mais dos desprevenidos. Lionel deslizava usando o peito dos pés e chacinava usando a linha da espada. Não se ouvia mais os risos de Guilliat nem os berros de Zara, só as explosões e conjurações da maga Andressa.
Guilliat e Lionel de costa a costa, desciam espada e sabre contra carne e gelo. Andressa e Alice conjuravam magias e sortilégios. E Zara, era Zara.

Eidan despejava as últimas flechas quando reparou que Doromar já não estava entre eles há tempos. Deixou de disparar as setas e procurou ouvir o pouco que conseguia do som da batalha e usou os olhos para encontrar o amigo anão.
Conseguiu então achar bárbaro, que estava encurralado ainda na hospedagem, Eidan conseguia vê-lo de longe por um buraco que havia na parede da pousada. O anão lutava derramando pingos de suor e de sangue de seu próprio corpo, mas fazendo com que o escarlate dos inimigos derramasse muito mais. Eram muitos.

Eidan encaixou três flechas no arco e correu. Saltou sobre corpos, desviou de ataques inimigos e manteve o equilíbrio como só sua raça conseguia. Como o elfo que era, corria sobre a superfície lisa de gelo como se fosse terra firme, e manobrava o chão molhado de sangue com destreza. Pulou sobre um zumbi, apoiou o pé sobre suas costas e disparou apenas uma das flechas – certeira na nuca.
Caiu logo em seguida no chão e rolou, até voltar a ficar meio apoiado sobre o joelho. Viu mais dois se aproximarem em frenesi e tombou o arco de lado. Disparou.
Duas em cada testa.
Correu. Em meio ao caminho, levou a mão até a aljava e viu que a munição acabara e então preparou a cimitarra com a outra mão.

Doromar se encontrava encurralado. Pés fincados contra o chão, jogando todo o peso nos joelhos e manobrando o machado em sentidos desgovernados: horizontal, vertical, lateral; e outras direções que só o ataque desorientado e dominado por frenesi permitiam. Como criaturas idiotas, os zumbis se jogavam contra a lâmina desgovernada, e a maioria era acertada em cheio. Mas já saltavam, corriam e investiam em desordem contra o anão.

De repente sangue espirrou pro alto atrás da fileira, e num borrão de corte rápido a cimitarra de Eidan continuou o percurso numa dança sensual para os mortos. Abriu em arco a muralha de mortos-vivos e o grupo se dividiu, metade para o anão, metade para o elfo.

-- Não preciso de sua ajuda! – berrou o anão – Os deuses irão perdoar a mim e ao meu povo. Assistiram a minha vitória no campo de batalha!

-- Então que seja no campo de batalha – disse o elfo enquanto manipulava a espada contra rostos, e o arco empurrando corpos – E não no próprio reino deles! Aceite minha ajuda, ou se não eu o deixo para trás lutando sozinho.

-- Então vá embora! Não preciso de sua ajuda!

-- Tem sorte de eu ser teimoso.

Os dois chacinaram uma muralha inteira de zumis-do-gelo, e mais um pouco que interveio contra eles. Eidan manobrava o arco como escudo e a cimitarra como ataque, enquanto que Doromar mantinha os dois braços firmes no machado de duas mãos e o peso sobre as pernas rijas.
Houve um momento que Eidan ficara sem a espada, logo quando tentara medir forças com um zumbi que possuía uma manopla de gelo no lugar dos braços, e então Doromar tomara a frente dos golpes, atacando os seus inimigos e os do elfo.

-- Vou procurar a minha espada. – gritou.

-- Vá embora daqui, você me atrapalha!

-- Não vai agüentar com todos eles.

-- Estive lutando com uma centena enquanto vocês brincavam de bolas de neve lá fora, acha que não agüento esse filho de uma rapariga?

-- Acho. – disse Eidan.

-- Disseram o mesmo quando vi a sua mãe orelhuda – o anão resistiu o tranco de um corte horizontal de um morto-vivo com o quádruplo do seu tamanho. – E olha você aí hoje!

Eidan fez menção de cuspir no anão, mas o mesmo já agüentara o enorme zumbi que o manipulava usando a sua própria força. Como não bastasse, mais de alguns se aproximavam pelos lados.

O elfo correu, tomando distância e saindo da área que Doromar combatia o enorme morto-vivo e seguiu tendo nas mãos somente o arco sem munição alguma. Os zumbis-do-gelo deixaram Doromar e o morto-vivo gigante para trás seguindo Eidan na cobiça, na fome. O elfo correu pelos corredores e buracos entre eles, se desvencilhando dos que se aproximavam mais e mais. Procurou em uma espionada rápida a cimitarra que perdera e achou-a cravada numa parede, perto onde fizeram a fogueira dentro da pousada.
Saltou sobre as escadas e apoiou-se sobre a parede em um salto acrobático, caindo rolando no chão e puxando a espada num giro. Matou dois no ar e pulou para frente em seguida, defendendo os golpes seguintes. Corte.
Bloqueio, e corte. Bloqueio e corte.
Sangue.
Todos estavam tombados e Eidan mantinha-se sobre uma perna, ofegante. Pingando sangue e suor.

Estouro.

Doromar passou por uma parede inteira e estabacou-se contra outra perto do elfo. Caiu de peito no chão com o machado e as costelas igualmente quebradas. Eidan vislumbrou o amigo aos quebrados e mirou o motivo de suas feridas: o zumbi-do-gelo gigantesco.
O inimigo deu um urro avassalador e correu contra o elfo com intenção de amassá-lo contra o chão. O mateiro ranger conseguiu saltar para o lado num instante oportuno e tentou no meio do percurso rasgar a carne da perna do morto-vivo.

Crack!

A espada se partiu em dois – metade em sua mão, metade presa ao gelo sólido que recobria as pernas do zumbi. A criatura pareceu sorrir ao ver o semblante do elfo, e o arremessou com um chute que quebrou-lhe costelas e trincou-lhe alguns dentes.
Eidan se viu largado no chão apenas com um arco inútil em uma mão e o pedaço de sua cimitarra na outra. Abriu os olhos regurgitando sangue em tosse vermelha e viu o gigantesco zumbi já correr contra ele para dar um fim ao alvo.

-- Viva com a natureza, apodreça com a morte... – murmurou – Desgraçado.

Eidan esticou a mão para o lado e agarrou um pedaço fino de madeira, reto e levemente calejado. Olhou.
Uma flecha. A flecha que havia descartado tempos atrás. Torta, imperfeita, mas útil.

O zumbí-do-gelo aproximou-se – o chão tremendo a cada passo e o interior da pousada batendo como um enorme tambor.
Eidan encaixou a flecha envergada no arco, ergueu os braços para cima, mirando com apenas um dos olhos e fazendo a precisão em algum ponto vital que rezava acertar. Disparou.

A flecha zarpou do arco de madeira élfica, fez uma menção de ir para um lado e depois para o outro, entortou um pouco no meio do percurso.
Certeira no pescoço.
O gigantesco zumbí-de-gelo tombou ao chão com o corpo mole, inerte.
Eidan ainda com a respiração presa, expeliu o ar todo de uma vez pela boca. Deixou os braços cair e fechou por um tempo os olhos. Ouvia os ofegos de si mesmo e do anão.

-- Ei... – um gemido.

Eidan olhou.

-- Você o matou com uma flecha...

O elfo fez que sim com a cabeça. Dificuldade.

-- Heh – Doromar deu um sorriso ensanguentado. – Alice é uma boa clériga. Boa magia.

Eidan ainda o olhava.

-- Poder matar mortos-vivos com ataques perfurantes. – riu – Os deuses às vezes gostam de brincar.

-- Aquela flecha não estava enfeitiçada. – Eidan respondeu com certa dificuldade.

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Lá fora, o mundo explodia de sangue e de zumbís. Mais e mais se aproximando, impedindo um fim.

-- Precisamos acabar com isso de uma vez só! – gritou Lionel.

-- Que nada! – ria Guilliat. – Deixe que venham! Deixe que eu mate todos!

-- Não seja tolo – disse Andressa.

-- Posso conjurar uma magia de expulsão poderosa o suficiente para expurgar todos os mortos-vivos de uma só vez! – Alice declarou rápido em um berro.

-- Então o faça! – disse Andressa, conjurando fogo e queimando carne.

-- Preciso de tempo e cobertura! – disse Alice já juntando as mãos e se preparando para a magia.

-- Daremos o tempo que precisar! – gritou Lionel. – Carga! Todos juntos!

O grupo fazia um círculo em volta da clériga.

-- Juntos! Carga!!

Alice no meio, o grupo em volta.
Os zumbis os contornava contra o nada, sem chances de escapatória – talvez só a magia de expulsão contra morto-vivos da sacerdotisa.

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Não eram zumbis.

sábado, 1 de maio de 2010

Conto - O Cavaleiro, a Princesa e a Profecia

A face dourada do sol começava a refletir nas nuvens, tornando o céu antes azul. agora laranja, vermelho e um tanto cinza. A tarde que começava a cair dava lugar a um véu negro, próspero à noite, que por sua vez parecia esburacada de estrelas e luzes reluzentes ao céu que, ainda claro, já mostrava ser uma noite daquelas estreladas, onde o mundo contemplava silencioso uma noite que estaria marcada.

Naquela terra distante da cidade-capital de Lowentür, o verde era sempre mais verde, o azul era sempre mais azul, e quando o sol decidia por si só tingir as nuvens de vermelho, então, o céu ali era sempre mais vermelho – enfim, um belo momento oportuno para uma calvalgada em família: o cavaleiro, a esposa e a pequena filha de apenas oito anos. A família passou em seu calmo e responsável passeio por desde os grandes campos de plantações e lavouras, até aos cumes e trilhas de subida aos terrenos mais altos da região. Era um território de latifundio, onde o dono de todas aquelas terras – embora não se auto-proclamasse assim, e nem gostasse de admitir dessa forma – era o honrado cavaleiro pai daquela família, e escudeiro fiel da távula.

-- Papai, – a voz de sua filha era doce e facilmente reconhecível quando ecoou pelos longos campos do terreno – vamos, vamos. – assumia com alegria a postura de um cavaleiro numa cavalgada do seu pequeno pônei, e seguia em frente emitando com o brilho de criança, as honrarias de um Sir.

Risos.

-- Karelle. – com um sorriso de pai – Milady Karelle, na entrada dos portões de Lowentür! – proclamava na brincadeira, assumindo a posição de escudeiro da mais nova milady.

Todos riram.

Sir Gabriel Wallace, era um cavaleiro por volta de seus 32 invernos e pouco. Tinha uma face fácil de se lembrar, esculpida por sua longa determinação e cicatrizes de persistência em treinos e combates. Muitos inimigos provavelmente devem ter reconhecido a face do cavaleiro que era chamado de o mais fiel ao rei, assim como muitos conhecidos, colegas e amigos ainda reconheciam.

Sir Gabriel era um homem de atitudes e pulso firme, sabia tomar as rédeas de uma situação na hora que a visse, e muitos até diziam que chegava a ser essa, uma atitude muito preciptada de sua parte – tal fato se revelava durante seus anos de guerreiro, quando em alguns combates a sorte e somente ela, havia lhe ajudado em ações preciptadas. Por outro lado, era um homem com todas as palavras honroso. Tinha um coração puro e era fiel mais do que tudo à sua família e ao seu rei – que também, era seu melhor amigo.

Apesar de ter recebido incontáveis títulos, – quase todos recusados – e terras, cujo muito poucas tinha aceito, ainda sim tratava todos com afeto e igualdade. E assim seguiu sua vida. Sua mulher, Roslin, alta e bela de cabelos em chamas que brilhavam mais do que topásio no sol, acompanhava a firmeza e determinação do marido no olhar, e a delicadeza e amor em todo o resto. Quanto sua filha, Karelle, puxava a beleza da mãe desde cedo, e toda a personalidade e determinação do pai. Tinha um espírito forte, e se fosse homem, já era de certo que se tornasse um cavaleiro quando alcançasse a maturidade.

-- Papai, -- novamente, fazia sua voz de criança ecoar no ambiente – conte-me uma história. –pedia aos sorrisos.

-- História... – começava a pensar.

-- Karelle – a mãe sorriu.

-- Por favor. – olhos de pedinte.

Os três sorriram em vislumbre. Era um belo entardecer para se contar uma história.

-- Qual você quer ouvir, minha filha?

A menina não pareceu ter dificuldades para responder de pronto:

-- A origem da espada. A profecia!

Era uma boa história, porém já muito ouvida por todo aquele povo. Mesmo assim, o pai não teve dificuldades de querer contá-la. Também era a sua preferida.

-- Há muito tempo, antes mesmo de você nascer... – a garota se sentava ao chão gramado, pronta para ouvir – Todo esse lugar era composto de uma floresta cheia de vida, e também de ruínas de algum reino primórdio de uma nação bárbara desconhecida. Tudo o que se sabe, é que existia um povo místico por essas terras desde então. Eram conservadores da natureza e de tudo o que era bom, mas três povos antigos que dividiam nosso reino, ameaçavam todo o bem, e afundavam a nação em guerra.

A lendária história, apesar de mística em certos pontos, era real – fora assim, o nascimento do reinado de Lowentür, meio à Avalon, a terra mãe. Nos primórdios, três reinos poderosos se confrontavam em uma guerra que parecia não ter fim. Irmão matava irmão. Cavaleiros tornavam-se algozes, e o mundo vivia em uma época de trevas.

A única esperança de paz e salvação para uma nova era de luz, era a lenda da espada Kallidar – uma arma que estava fincada numa rocha na mais alta planície do maior templo de pedras já levantado. Nas ruínas do templo, inscrições contavam a profecia de que o guerreiro que retirasse a arma da pedra, seria o verdadeiro rei de todos – o novo líder e herói do povo, o homem que reuniria os três povos em uma só nação de paz.

E desde então muitos tentaram, mas todos fracassaram. Até o dia em que o verdadeiro herói surgiu, e surpreendeu à todos ao retirar Kallidar da pedra. A espada perdurou durante os anos seguintes, sendo portada à punhos de ferro. Os três povos se uniram em uma só nação, e o reino foi fundado, recebendo o nome de Lowentür.

-- Eis então nosso reino, Kallidar, e a profecia da espada.

Os olhos da menina brilhavam ,mesmo tendo perdido as contas de quanto ouvira a lenda. O coração palpitava com força e ao mesmo tempo, Karelle pulava de alegria e fantasia com a história.

-- Agora eu tenho de partir. – olhou para o céu já escuro. – Há uma longa viagem até Lowentür.

-- Precisa mesmo ir? – era a filha já triste.

-- Sim, há uma reunião importante entre os cavaleiros da távula, e eu não posso perder.

A menina sorriu.

-- Como um cavaleiro da távula, pode me contar a história de como ela foi criada na próxima vez que voltar?

-- Mas é claro – sorriu.

-- E pode me levar até Camelot da próxima vez também?

-- Algum dia.

O cavaleiro deu um beijo e um abraço na filha e em seguida na mulher – já ficara por lá um bom tempo desde que retornara de sua última missão, e agora partiria por alguns meses até que retornasse novamente para casa.

Se despedira da família já com saudades e Karelle tinha de ser abraçada pela mãe para não saltar como penetra sobre o cavalo do pai.

-- Você promete? – foi quase um berro aos meios do pulo.

-- Eu prometo. – deu uma risada já em cima do cavalo, virou uma ultima vez e meneou o corpo como homenagem à um Sir. – Palavra de cavaleiro. – sorriu.

A menina tinha brilho no olhar.

Sir Gabriel cavalgou em direção ao horizonte sobre seu cavalo branco que destacava-se com limpidez na sombra da noite. E enquanto cavalgava, meio ao caminho, foi-se possível ver no alto do cume, bem no horizonte, os outros cavaleiros da távula, que surgiam sobre seus corcéis. Carregavam além das armaduras sólidas e limpas, a flâmula do reino de Avalon, e da cidade de Lowentür.

-- Um dia eu estarei por lá – disse Karelle. – É uma promessa. Uma profecia. – sorriu.

Mal todos sabiam, que Sir Gabriel partira para o seu julgamento final: a morte.

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Desenhos

Sempre desenhei na minha vida, e continuo desenhando até hoje. Por isso, aqui eu estou postando alguns dos meus desenhos. O problema mesmo é que eu tenho uma complicação enorme de passar desenho em papél pro computador. A qualidade cai e muito. Sei que tem alguma forma/maneira de conservar a qualidade na hora da digitalização... E eu espero descobrir essa maneira logo.



Pra muitos pode parecer absurdo, e pra outros uma espécie de dom, mas muitos dos meus desenhos é direto na arte-finalização. Sem esboço, sem nada. Direto pra caneta -- ou pro nankin as vezes. Esse é um exemplo, uma brincadeira que gosto de fazer com os traços, mostrando movimento, raiva e fúria na cena.



Esse é o Gatts. Personagem que curto muito desenhar pelo estilo dos traços. Embora ele seja mangá, os personagens puxam muito o lado real da coisa -- olhos, nariz, orelha e etc...



Personagem da antiga Campanha de Arton que eu mestrava: Gam Marlock, Cavaleiro Moreau.



Embora muitos dos meus desenhos sejam no estilo mangá, eu gosto bastante de desenhar HQ's também -- eis o Superman.



Outra técnica com traços, movimento rápido na cena e compostura de raiva e fúria do personagem.


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Enfim... Há muuuito o que melhorar, mas estou me esforçando cada vez mais pra isso. Por favor, não senham tão críticos, tudo que sei foi por treinar desde criança mesmo. Nunca tive aulas nem nada. ^^"
Até.

Conto - O Lendário General

Lá estava ele. À frente de um exército composto de quinhentos homens e alguns cavalos. Espadas nas bainhas, lanças nas mãos e escudos empunhados. O general, assim chamado, mantinha seu olhar fúnebre e mórbido em direção ao campo de batalha. Não, a verdade é que ia além do campo – seus olhos fintavam o cume e a planície à quase cem metros dali – fitavam onde o inimigo, iria aparecer.
O silêncio prosperava, e a tranqüilidade do general era rija. Os soldados também mantinham o silêncio e a calma para o combate; era o fôlego que se tomava antes do mergulho; era o silêncio que existia antes da batida. E súbito, no horizonte redondo de planície verde, eles surgiram – e os soldados, menos o general, sabiam que estava acabado.

Um exército de dois mil homens surgia numa padronização de guerra. Todos juntos, em fileiras; pura disciplina. As armaduras eram muito melhores, as armas eram mais cortantes, mais perfurantes, e muito, muito superiores. O capitão também estava junto, e surgiu com uma lança que parecia arranhar o céu onde de seu cabo balançava uma bandeira, uma flâmula pendente do reino inimigo.
Não demorou muito para que os quinhentos homens começassem a respirar de forma diferente, para que começassem a apertar o cabo das armas com força desnecessária e armarem seus escudos de forma incorreta. Era uma ignorância naquele ponto estar ainda diante um exército tão poderoso. Porém, mesmo assim todo o exército, que naquelas circunstancias parecia pequeno, não recuou. Mantiveram-se firmes, e em seus postos; porque acima de tudo, confiavam e acreditavam no seu general.

De um olhar mais ríspido do capitão oposto, e uma resposta ainda rígida no olhar do general, fora dada o início da batalha sobre o vento forte que começava.
O avanço foi direto de ambos os lados. Os 500 homens e seu general sentiram o chão e o mundo estremecer. Cada passo do exército infinito do inimigo esmagava o chão e faziam todo o resto tremer. O exército de ambos os lados fora se aproximando com tal veracidade que as espadas já pareciam brindar sangue. Todos de encontro, ao centro do campo.

E então o encontro!

Dois mil homens, ferozes e monstruosos: um estouro de boiada.
Quinhentos guerreiros e um general, rápidos e espertos: como uma matilha.
O encontro foi certeiro, e a linha de frente do general despencara com um avanço fulminante do exército superior. Sangue e tripas voaram – escarlate manchando o verde -- , e logo, a matilha se dissipara. Dissipara para os lados.
O capitão e seu exército fulminante, de ainda dois mil homens, gritavam e bradavam em louvor de guerra:

-- Morte! Morte!!

O general, que investia entre as fileiras inimigas: mudo. O exército dos, agora, 445 homens continuava a dissipar para os lados: um arco que começava a se formar e a contornar. Mesmo o general mudo lhe ditava ordens concretas, e por isso, talvez, os homens tenham sentido a necessidade de gritarem:

-- Walmonth! Walmonth!

O general sorriu.


E foi a vitória.

Havenus, o Algoz

Sempre achei que o mundo fosse dividido em tendências, em teorias. O equilíbrio. A chance de oportunidade – o bem e o mal.
Caos e ordem.
Tudo regido por um único sentido; a cegueira das coisas naturais da vida, que são essas.

Eu estava errado.


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Foi como um sonho de terror. Os tipos de sonhos que ele tinha muito ultimamente – há três anos.
Havenus teve o deslumbre da visão do inimigo. Enxergou pelos seus olhos. Conectou-se com sua mente.
O inimigo o acertara em cheio, e o que lhe vinha em forma de pergunta era: Por que não escapara?
Ele poderia. Teria conseguido.

Eles eram um grupo modesto. Todos eles.
O mundo de Arkhanum não era só um mundo perigoso; era terrível. Uma Idade de Trevas. Talvez fosse por isso que naquela equipe já tivessem passado sete pessoas diferentes além do Meio-Demônio. E entre os sete, somente três haviam sobrevivido.
No entanto, para Havenus, isso não era crueldade. Não. Era a realidade.

O mundo inóspito de pessoas de valor, cru e nu meio à desgraça multiplicável e coletiva, tinham lhe ensinado que as coisas eram assim. Os pobres eram a miséria, e o tipo de gente ignorante que ele sentia vontade de chutar quando estivessem no chão.
Os ricos diziam ter fé em Deus, e ainda por cima juravam realizar as vontades do dito cujo – em outras palavras, eram os piores da espécie.
Como não existia o meio termo – a classe “média” –, Havenus não ligava para nenhum deles.
Ficava pensando na realidade às vezes. Como podiam viver daquela forma, aquela gente? Os pobres eram tão amaldiçoados de inteligência, que já por falta de opção, preferiam agarrar um dos tipos de Classe que já existiam – os Pobres ou os Ricos – pra assim poderem viver na realidade dura e cruel. Fechavam os olhos pra não terem de ver e chorar. Mas o pior de tudo, era que em sua maior parte, as pessoas escolhiam adorar a classe dos Ricos, dos altos; o que era ignorância.

Mas o povo sempre foi ignorante mesmo...

Os quase-mendigos (a classe pobre, por assim dizer) sempre gostou de olhar para o bonito. Todos gostavam de coisas bonitas. Afinal, quem iria querer olhar para a feiúra da pobreza da população?
Ai daquele que gostasse do que era feio – fogueira na mesma hora. Herege!

Os ricos então -- Condes, padres, cavaleiros, duques, reis. Papas. – gloriavam-se com a luz do próprio ouro que cegava os miseráveis do outro mundo. O mundo pobre.

Havenus não se importava.

Já fazia tempos que aprendera que sorrir era pecado. Os providos de inteligência, dignos de conduta e classe, nunca sorriam. Mantinham o rosto sério, pálido e fresco. Duro como rocha, calmo e calculista como um vulcão.
Quem sorria, era o oposto – era mal. E, talvez fosse por isso que a maioria das histórias de terror tinham inimigos sorridentes, que gargalhavam o tempo todo.
Bruxas riam e se deleitavam com os prazeres carnais. Magos e ocultistas sempre tinham um sorriso sombrio no rosto, sorriso de zombaria. E os monstros, claro, sempre gargalhavam ao ver sua próxima vítima. Ou simplesmente riam por rir.

E assim era a lei.

Lei do bem – lei de Deus.
Não rir. Nunca.

Risadas?
Fogueira. Herege!

Mas não era por isso que o cavaleiro não ria. Não era também só pelo fato de ser um Algoz, um assassino procurado em 20 países. Havenus não ria, não por não ter motivos, mas por não ser necessário. Não era útil, não servia para nada. Rir, não matava os inimigos. Rir, não resolvia problemas. Não os dele.

Fora há três anos, quando ele vira seu mundo definhar aos poucos – e dos poucos ao rápido.

Perdera a mulher que amava, pois não conseguira defendê-la. Perdeu os amigos em uma chacina por ser burro e não confiar em ninguém. Nem nele mesmo.
Depois, perdera sua dignidade e seus objetivos, por confiar demais.

Logo, no inferno.

Foram três longos anos que vagou sozinho. Caçando, matando e enxergando a realidade daquele mundo pobre e podre.

Não sabia se antes era feliz porque não vira essa realidade, ou se o mundo foi piorando conforme ele mesmo fora chafurdando no excremento.

Não precisava de amigos, não precisava de sorrisos, não precisava do mundo. Só precisava da arma, de dinheiro e de vingança. Queria o inferno – além de tudo, não que gostasse, mas queria viver naquele inferno. Era bom arrebatar as pessoas pro NADA. Contentava-se: tinha vingança.

E, para o leitor que achar estes registros, acreditar que isso é tristeza não é inteiramente verídico, acreditem: era bom que fosse assim.

Viver na Idade das Trevas, no lugar que era Arkhanum, a vida devia seguir dessa forma. Cruel e calculista. Impiedosa.
Confiar em alguém era confiar na ignorância. Todos eram ignorantes.
Se você era só, era cruel – mal – logo se dava bem (na medida do possível).

Porque o mundo era cruel e Deus era mal.
Por isso, os três anos que passara em sua vida nesse tipo de conceito, Havenus se dera muito bem. Vivera sem arrependimentos, o que em Arkhanum era muito bom – viver naquele lugar já era um arrependimento.

Mas os conceitos mudavam. Sete pessoas apareceram; quatro morreram e ficaram apenas três. Entre todos, Havenus era o mais forte, porque era só, e não se importava.
Foram dias duvidosos e cruéis para ele quando haviam se passado alguns meses com aquela gente que se juntara. Sua mente de repente estava embaraçada. Estava louca e insana. Uma visão diferente surgia. Um brilho nascia e crescia das trevas da solidão. Os amigos eram bons, a alegria entre os mesmos crescia e o prazer de estarem juntos conseguindo sobreviver era boa. Tudo começava a não fazer sentido. E era bom.

Enfim, recuperava de imediato o que há muito já havia perdido. E por um tempo, ele foi um herege – ele sorrira. O mundo era mundo de novo. Não o mundo real, e sim o mundo que todos mereciam. Paz, amizade, felicidade.

Mas a Idade das Trevas era cruel, e essas coisas não tinham lugar. Paz não era o suficiente. Amizade não existia. Felicidade era ilusão.
Havenus percebeu isso e mais um pouco, quando tomara a frente de um golpe que não era pra ele.

Golpe terrível, fulminante. Mortal.

Havenus teve o deslumbre da visão do inimigo. Enxergou pelos seus olhos. Conectou-se com sua mente.
O inimigo o acertara em cheio, e ante a morte, percebera o erro. Sabia, e dissera para si mesmo:

“Tudo foi em vão.”