terça-feira, 28 de junho de 2011

A Máquina

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Yo! Quanto tempo, heim?

Da última vez que postei algo no blog eu literalmente sumi, hehe.

Mas enfim, to com uma listinha de contos já preparadas (ao menos) pra postar por aqui, e manter um pouco a periodicidade dessa vez.

Pra começar, vos apresento :



A MÁQUINA


O sol já estava pela metade no horizonte, e desaguava em laranja abundante. Primeiro ouviu-se galopes, e então, surgiu o cavaleiro. Armadura cor de prata, espada reta na cintura.

Puxou o ar gélido para os pulmões e apeou do cavalo. Deu alguns passos a frente, apertando os olhos, mirando uma caverna.

- Você fica aqui. – disse severo para o cavalo.

O animal balançou a crina, entretido com o nada.

Passos decididos, desceu uma colina de um verde pegajoso, até se deparar com terra batida do terreno escasso. Mais a frente de tudo; havia uma cidade abandonada, algumas torres rachadas ainda se erguiam pro alto, mas ninguém ia pra lá – o lugar era amaldiçoado.

Um pouco antes; uma caverna.

É aqui.

Um minuto depois viu-se brigando com as paredes rochosas do interior úmido daquele esconderijo. Teve de deixar as ombreiras da armadura para trás, para que conseguisse passar. Seguiu por uma descida traiçoeira, de chão escorregadio – a cada passo, o sentimento de estar sendo engolido pelo desconhecido.

De repente, vozes:

“O que é isso, afinal de contas?”

“Não sei...”

Sir Lionel virou para o oeste em uma bifurcação em certo ponto, no interior obscuro da gruta. Não enxergava nada, mas sabia estar seguindo pelo caminho certo, e algo lhe dizia com certeza que iria se deparar com luz, cedo ou tarde.

Mas o que viu foi algo diferente.
Numa clareira, entre os intricados caminhos subterrâneos, dois garotos se arrastavam para um lado e para o outro, espantados com a bruxaria que haviam descoberto.

Encontraram uma máquina. Diferente de tudo do que já tinha visto, mas semelhante com o que já estavam acostumados – como todas as outras, a coisa pedia-lhes que dessem uma ordem a ela; para que funcionasse.
Aproximavam-se da coisa pelos lados, encarando com novidade, até que um deles tomasse a frente.

- O que é isso? – repetiu Darienn.

- Já disse que não sei.

Tocaram a máquina complexa. Perplexos.

Tinha um longo tablado feito de um material desconhecido, com teclas grossas instaladas. Obtinha todas as letras do alfabeto conhecido, mas estavam em desordem.

- Não aperte nada!

- Eu sei, Willian! – trocou um olhar ofensivo.

Andaram ao redor do objeto por mais um segundo, analisando-o. Lionel estava escondido, olhava atento.
Os dois garotos deram batidinhas de leve, com os punhos fechados, sobre a superfície lisa. Ouviram um som metálico ecoar por todo o corredor. O barulho demorou alguns segundos até que desaparecesse.

- Não tenho certeza se isso é uma máquina...

- O que quer dizer? – certo medo.

- Pode estar vivo.

Deram passos pra trás, Darienn incrédulo.

- Precisamos voltar... – disse Willian.

- Pro conservatório? Nunca!

- Não sabemos o que isso é, Darienn! Precisamos avisar ao Bispo.

- Não tive o trabalho para escapar de lá de bobeira. Levei semanas pra fugir, Willian. Semanas! – exaltando. – Não vou voltar. Nem por um caralho.

Willian entendia o irmão, mas era tarde demais. Talvez fosse. Não tinham família, não tinham casa; nada. O que tinham era uma nova vida no conservatório, e a chance de se tornarem padres, bispos, clérigos. Por um instante, Willian ficou em silêncio, engolindo o seco.

- O quê?! – Darienn percebeu algo de errado no irmão. – Você contou? Contou que eu...

- Desculpe.

- Não me peça desculpas, seu bosta! Como você pôde?! Traiu seu próprio irmão! A quem você disse?

- Sir Lionel...

- Pelos testículos de Gisé... Estou fudido com você ao meu lado... – apertou as têmporas com as duas mãos, balançando a cabeça negativamente.

- Ele vai ao menos nos tirar daqui. Estamos presos.

- Não estamos. Não seja paranóico.

- Estamos presos, Darienn...

Recusou-se a aceitar, mas no final suspirou. Estalou a língua e conseguiu ouvir o som ecoar pela caverna. Em qualquer outra situação, teria achado graça do som gracioso que tinha feito, mas não naquela situação.

- Como você me achou aqui afinal? – decidiu perguntar.

Tempo.

- Te segui durante a noite.

Suspiro.

- Mas é claro...

- Sou seu irmão, Darienn! Acha que vou te deixar fugir sozinho? Ser comido por um lobo, espancado por ladrões de estrada?

- Estaria bem sozinho.

- Ah não. Não estaria não!

- Sim, estaria. Melhor que no conservatório, sendo alvo de olhares pedófilos e homo-sexuais de padres apáticos.

- Não fale assim, o Bispo Claus é um bom homem, de coração puro, com –

- Com uma paixão nojenta por garotos de dezesseis anos. – Darienn viu o olhar de Willian mudar, incrédulo. – Isso mesmo, irmão. Ele tentou me agarrar enquanto dormia naquela noite que você me achou estranho. Não disse nada, para que você não cometesse um erro. Uma idiotice. Algo grave, tipo bater no velho e perder sua chance de crescer na vida como padre.

Willian de olhos arregalados, boquiaberto. Sir Lionel ainda mantinha-se escondido, observando a cena. A máquina era um plano de fundo já esquecido.

- Desculpe, irmão. Isso é pra você. – disse Darienn. – Se quer ser padre, problema é seu. Será o melhor deles que já conheci, tenho certeza. Mas essa vida não é pra mim.

Willian fechou os punhos, enterrando as unhas na carne. Olhar paralelo para baixo.

Tempo.

- Não... – percebeu Darienn.

Silêncio.

- Você não...

- Desculpe. – prendendo a respiração.

- Seu filho da puta! Você disse pra ele que eu fugi pra cá?!

- Pra quem acha que eu avisei sobre você, Darienn?!

- Você disse que foi ao borra botas do Lionel!

Silêncio.

- Não... Foi o Bispo Claus que disse que iria enviar ele... – suspiro. – Fui eu que não esperei, e vim atrás de você. Tentar te entender.

- Caralho, Willian! Você só me fode, porra! Vou acabar morrendo antes de ter uma puta com a boca no meu pau!

- Darienn...

- Eu te odeio!

De repente, um retumbar. A máquina até então estável soou um rugido, como uma criatura enorme, de aço, acordando. Gritando. A caverna tremeu por um momento, e então parou.

- O quê?!

- É disso que estou falando, Darienn. – gritou Willian. – Precisamos voltar, temos que avisar ao Bispo Claus sobre isso. Não sabemos o que é!

- Escuta você! Eu não —

- Não se preocupem. – uma voz irrompeu, interrompendo o diálogo. – Não saber o que é isso, fará muito bem a vocês.

Um susto, olharam para o caminho de onde vinha voz – onde haviam também chegado até a clareira – e viram Sir Lionel, descendo a rampa de pedra, aproximando-se com calma.

- Sir Lionel. – disse Willian.

Darienn trincou os dentes. O cavaleiro ficou quieto.

- Que bom que já está aqui. Veja – apontando com a cabeça para a máquina. – O que encontramos.

Silêncio.

- Sir Lionel? – olhares.

- Willian... – Darienn escorregava para o lado da sala, cauteloso, olhar atento. – Acho que “Sir Lionel” sabe muito bem o que é isso.

Willian olhou o irmão, o cavaleiro acompanhava seu movimento com os olhos.

- Sir Lionel?

Silêncio. E então o cavaleiro levou a mão á espada, segurou o cabo firme, puxando a lâmina em um movimento brusco. “Vocês vão morrer”, e depois um ataque.

Willian desesperado, cambaleando para trás, tropeçou em um rochedo no chão, caiu de costas, batendo a cabeça na máquina. Barulho de metal gritando, mãos na cabeça. O cavaleiro ergueu a espada em um movimento, pronto para destroçar o crânio do garoto, e então foi empurrado.

Darienn lhe deu um encontrão com o próprio corpo contra o cavaleiro. Bateu na armadura como água batendo numa parede de pedra. Lionel afastou somente um pé.

- Willian, corre!

Lâmina no peito. A ponta da espada larga encontrou a carne jovem e sem músculo do garoto; metade da lâmina já atravessando seu coração, jorrando sangue pela fenda aberta.

- Não!

Um urro misto de horror e desespero, Willian agarrou a pedra do chão e a usou como arma. Jogou os braços para frente, uma mão agarrando o ombro desprotegido do cavaleiro, a outra, acertando a carne com a pedra. Pensou consigo mesmo: “Consegui”. Jogou-se contra ele. Arremessando as mãos, a pedra, a vida.
O cavaleiro virou meio corpo, grunhiu com o ferimento na parte desprotegida, mirou o garoto com olhar assassino.

- Por quê?! – choramingou Willian.

Sir Lionel descreveu um arco com a espada, usando a lâmina mais como porrete, destroçando o topo do crânio do garoto. A órbita voou pra longe, o corpo caiu em espasmos. Cabeça aberta.

- Tsc... – mão no ombro.

A máquina rugiu de novo, dessa vez, só um para ouvir seus berros.

- Arggh... – Darienn no chão, mãos ao peito, tentando conter inutilmente que o sangue não jorrasse mais. Balbuciando.

Sir Lionel caminhou, limpando a espada com um pano branco de um tecido grosso. Permitiu-se parar ao lado do corpo trêmulo do rapaz, enquanto embainhava a espada novamente à cintura. Teve certeza de que ninguém mais havia descoberto o segredo.

- Desculpe, garoto, nada pessoal. – um sorriso. Darienn aos tremeliques.

- Entenda... Há coisas, que é melhor não sabermos – olhou para a máquina, respirou fundo. – Bispo Claus não precisa saber disso. Vocês não precisavam. – deu de ombros.

Darien já não ouvia mais. Sequer via algo, embora estivesse ainda de olhos abertos.

Sir Lionel atravessou todo o caminho com tranqüilidade. Sabia que caminho seguir. Encontrou o cavalo novamente, no alto da colina. Subiu no animal, tomando as rédeas em mãos olhando o escuro da noite.
De longe, ouviu o ultimo rugir da máquina. Provavelmente, desligava-se automaticamente depois de mais um longo serviço diário. Aos poucos, completava-se os protocolos.

- Sinto muito, Bispo Claus. – já ensaiava Sir Lionel. – Os garotos eram hereges. Se jogaram de um precipício, aos braços de satanás...

O cavalo seguiu; calmo e lento, carregando Sir Lionel para o conservatório de onde viera. O cavaleiro tinha muito tempo para ensaiar.

A máquina nunca foi descoberta.

quarta-feira, 16 de março de 2011

De Cara Nova

Bom...

Sem muitas delongas, o Blog está de cara nova. O layout antigo já estava me dando dor de cabeça, de tanto preto -- não importava pra onde eu olhasse.

Então... está aí!

Se você já acompanha o Blog por um tempo, espero que goste, se caso não, pode dar sua crítica sem problemas -- às vezes surge uma idéia interessante!

Um último adendo:

* O plano de fundo do texto, talvez eu mude de escuro para branco, mudando as letras também, de branca para preta.

PS: Esperem que em breve, sairá um texto bem caprichado a ser postado... ;)

PS2: Aos interessados, recomendo que visitem os Blogs que sigo (encontram-se na lateral inferior esquerda do site). Lá, encontraram blogs como o "Delícia", que possuem frases e anúncios interessantes da minha amiga Carol/Caska.

"A Arte da Vida", blog sobre poemas maravilhosos, e o "DNPN", blog que também participo, referente a games e outras nerdices.

Até. o/

quarta-feira, 9 de março de 2011

Conto - Cálice de Sangue

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A história dele era diferente. Enquanto milhares morriam e se tornavam heróis, ele precisou morrer para se tornar o vilão.

Benthan mantinha-se de pé, estacado na relva com os braços cruzados frente ao corpo, enquanto as mãos seguravam o manto que relutantemente tentava escapar de seus ombros graças ao vento forte do topo da colina.

Alí, há metros de distância do chão, o homem atravessava as brumas com o olhar, penetrando sua visão mais além. Nas estradas, há centenas de metros de distância, ele via caravanas passarem ao longe, atravessando as trilhas de terra batida seguindo rumo aos seus afazeres de trabalho.

Mas daquela distância, eram apenas pequenos pontos de desilusão, no meio há tanta terra e verde do mato.

Lembrava-se dele mesmo. Um único homem meio há tantos acontecimentos. Meio há tanta história e desgraça. Seu passado fora diferente dos milhares que viviam em tempos como àquele. Os que viveram sua guerra já há muito haviam partido, e só ele sobrara.
Os tempos passaram rápido da primeira vez. Um século pulou no tempo como um ano. E mais uma vez, entre àqueles que havia conhecido, só ele sobrou.

A vida, se não fosse uma piada dizer neste contesto, continuou seu caminho até que Benthan esqueceu. Esqueceu de quem fora, esqueceu de quem era.

Benthan era um vampiro. Há muito já havia morrido, mas não estava morto. Há muito vivia, mas não estava vivo.

Olhando o céu limpo o céu limpo, ao seu redor, a imensidão escura trovejava de pouco a pouco. Já fazia horas que anunciava chuva; e já havia horas que ele estava ali.

Até que o mundo então esclareceu acima de sua cabeça. Um relâmpago desceu como serpente pela imensidão azul, carregando duas presenças tão poderosas quanto o homem que estava ali parado.

A primeira sentelha pousou há longa distância, explodindo no chão e espalhando partes do gramado queimado. Emanava uma aura terrível, mas com uma certa ternura. Um pequeno sentimento de confiança cínica. Mas fora isso, somente sua presença por ali espalhava pelo território um mal agonizante. Um sentimento cheio de ódio e puro furor.

O segundo relâmpago chocou-se mais próximo. O visitante mal apareceu e já caminhara para próximo de Benthan.

Sorriso amistoso no rosto.

-- Parado como se esperasse alguém. – ditou o homem para Benthan – Ou, alguma coisa – relampejou mais uma vez no céu escuro. Benthan apenas o olhou sobre os ombros.

O vento parecia aos poucos parar, como se o mundo prendesse a respiração. O horizonte não ousava jogar para cima qualquer resquício da lua. As roupas do homem eram elegantes, parecia mais um aristocrata de língua hábil – e era. Vestia-se com trajes de um século passado, enquanto o interlocutor, mais ao fundo, mantinha-se apenas observando. Este, vestia-se mais parecido como um bufão.

-- Os tempos não voltam, Benthan. – continuou. – A vida é impecável.

-- A vida não é nada. – respondeu.

O homem sorriu.

-- Concordo. Mas, acima de tudo, devo dizer que os Homens não são nada. – fez uma mesura com a mão. Mostrou o mundo à volta. – As pessoas têm apenas uma escolha; viver. E todas jogam esse presente fora. Nós, Bentham – mostrou as mãos, apontou pra ele – Nós viveremos para sempre. Recebemos um pequeno presente. Nós viveremos para sempre.

Bentham ainda estava estagnado, ouvindo o homem por alguma razão que nem ele ao certo sabia.

-- Somos todos agraciados por um presente da vida. Por um presente, da nossa verdadeira mãe. Nossa verdadeira deusa. – tempo. – Nossa verdadeira, amante.

O argumento acertou direto no alvo, como uma flecha certeira na ferida. A palavra amante acertou Benthan como os relâmpagos que rugiam no céu e acertavam a terra naquele momento. O anfitrião parou por um momento assimilando aquela idéia.

-- Mas mortos... –rebateu. – Estamos todos mortos, vivendo em uma era que a vida não nos presenteou.

-- A vida não é nada. Nossa mãe é superior. Nossa amante eterna e acolhedora. A morte é um dom

-- A morte não é nada. A morte é uma droga. Os mortos não são lembrados; os mortos fedem. – Benthan encheu o peito. – Os mortos não são merda nenhuma. O que você quer, Faust?

O homem sorriu sereno. Olhou para o horizonte por um longo tempo. Benthan continuou o mirando, até que desviou o olhar por um instante, só pra conferir se o outro visitante ainda estava lá, ao fundo.

-- Vim lhe fazer uma proposta. Uma proposta que você não pode recusar.

-- Já não nos vemos há muito tempo, não acha? – disse Benthan. – Achava que já era hora de você vir me visitar por pura e simples vontade de me ver, como amigos. E, não para me colocar em problemas. Já se passou tempo o suficiente pra você mudar esse hábito.

-- Disse que vim lhe fazer uma proposta. – Faust olhou-o. – Uma que não pode e nem vai recusar.

Tempo. Benthan manteve o olhar no homem por um longo minuto e depois voltou-se para ver o outro visitante.

-- Porque trouxe ele?

Faust não se conteve, e uma risada soou pelas narinas.

-- Não fui eu que o trouxe, ele me carregou até você. – hilariante.

Olhar interrogativo.

-- Por quê?

-- Ora – respirou e gesticulou como se já fosse claro. – Porque ele me fez uma proposta que eu não pude recusar. – Faust respondeu como fosse óbvio. Benthan ficou parado.

Silêncio.

-- Você quer saber qual foi? – sorriu – Bom, há mais ou menos três anos – parou para verificar a veracidade da informação – o patrão veio até mim e me pediu para que eu buscasse alguém eficaz para um grande acontecimento. Disse que queria tê-lo na nossa rede de contatos quando tudo fosse colocado em prática, -- respirou – e que se mesmo eu não aceitando em contatá-lo, ele teria uma oferta irrecusável, no caso, para mim.
Manteve-se sólido em sua expressão. Benthan cansou de esperar, mas quando foi perguntar foi cortado para receber a resposta.

-- Ele me disse que se dentro de cinco anos não tivesse você dentro da Sociedade, -- fez uma pausa com a mão, dizendo que em seguida explicaria – então eu e meus pedaços estaríamos nela. Separados pelo mundo, apodrecendo e queimando ao toque do sol. – sorriso.

Benthan arqueou a sobrancelha de surpresa. Olhou para o outro homem.

-- Então você que está com ele, e não o contrário.

Faust sorriu de contentamento. Benthan sempre fora um homem esperto.

A Sociedade era uma organização. Havia pouco tempo que vinha-se o boato espalhando pelo mundo, que alguns vampiros muito antigos estavam se reunindo com um plano obscuro. Não sabia-se qual, mas grande parte dos vampiros poderosos recebiam convites para adentrar na Sociedade. O líder deles, não possuía nome – era apenas reconhecido pela alcunha de Patrão.

-- E o trouxe aqui por quê? Para dar a mesma proposta “irrecusável”? – perguntou Benthan.

-- Não, meu caro irmão, não – disse Faust, rindo – acho que você não entendeu. – disse. – Ele, -- apontou para o visitante ao fundo. – é o patrão.

O homem, que ali mantinha-se longe, reverenciou com a cabeça, significativamente, respondendo sem usar as palavras, que, mesmo àquela distância, ouvia toda a conversa.
-- Você pode manter-se aqui, Benthan – disse Faust – No topo da colina onde ninguém o vê. Atravessando séculos e eras escondido da história. – deu de ombros e virou-se em partida.

-- Ou pode vir conosco, e participar dela própria. – completou, apontando para trás, como se houvesse algo no horizonte.

E de fato havia. Observando ao longe, com visão apurada além do que os humanos podiam compreender, mantinha-se erguida uma estátua grande e sólida, feita de pedra maciça e marfim. O monumento representava Cyrandur Wallace, um antigo guerreiro – herói de séculos distantes. Uma figura eternamente lembrada por homens que lutaram em guerras antigas. Que foram exilados de seu próprio país, mas, graças ao herói, acharam abrigo em novas terras.

Benthan olhou de volta para Faust, agora próximo do outro visitante.

-- A morte é só o início, Benthan – respondeu Faust – E os mortos, valem muito mais do que as pessoas vivas, nos tempos de hoje. Você pode ter uma estátua reerguida em seu nome. Ou ter a alcunha esquecido, na longa e despedaçada areia, que é o tempo.
Benthan não era burro, por contrário; mais sábio do que qualquer humano que pisasse naquelas terras há cem anos. Mas os dizeres do homem penetraram-lhe na mente como se Faust pudesse lê-la.

-- Diga-me sobre essa Sociedade. Conte-me sobre esse tal acontecimento – disse – E sobre seus planos.

Dessa vez, Faust ficou quieto. O outro homem deu um passo à frente, e a grama parecia se esconder diante de seus pés. Se curvando à sua presença.

-- Prazer – o homem disse – Meu nome é Havenus, e temos muito a conversar.

Os vampiros do mundo todo, agonizaram com a presença daquele nome, naquela noite.

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Isso, ninguém ainda teria como saber; mas aconteceu há alguns anos depois desta história. Até que ascendesse de novo, a era do Cálice de Sangue.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Conto - Um Visitante Inesperado

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Estavam todos parados, olhares de medo, no convés do navio. Recuando meio que em arco. Todos, recusando-se a aproximar-se da figura destacada que surgira há pouco tempo no bico da proa do navio.

Era uma criança. Tão baixa quanto a cintura de qualquer homem que estava por ali. Tinha o corpo marcado, raquítico. Debulhado sobre feridas impiedosas. Sua pele era branca como o cal, e seus olhos tão negros quanto o piche. No topo de sua cabeça, escorria rijo uma continuidade de cabelos emaranhados e duros. Entrelaçados como as cordas do navio. Uma camada de sujeira recobria-lhe todos os fios, dando além do aspecto sujo, uma nojeira irregular.

Uma das tranças da criança caía sobre o rosto, despejando um pequeno pedaço do fio para dentro do globo branco. Os homens sentiam agonia de ver a cena, e vários piscaram e cutucaram a vista por impulso.

A criança, que até tal momento estava estacada ali na ponta do navio, soou um ganido, logo após, assoprando forte com os lábios carnudos; mais brancos que sua pele pálida. O esbranquiçar de sua boca sobresaía sobre todo o branco restante do corpo.

Os homens pareceram um pouco menos perturbados ao ver o fio de cabelo saltar dos olhos da criança com o sopro que ela deu.

Mas ainda mantinham-se apreensivos, com a presença perturbadora da entidade.
Um homem deu o primeiro passo trêmulo. Logo, o segundo; e o terceiro; todo calculado.

-- Aqui – o mandrião disse – pegue.

Estendeu a mão com migalhas de um pão já duro que amanhecera vários dias na cozinha do navio. O pão quase não se mantinha nas mãos do marujo, que, tremendo, deixava com que os restos da migalha se juntassem à poça de água preta incrustada no chão.

A criança estacada sem ensaiar um movimento sequer, permaneceu imóvel.

-- É tudo o que temos – gaguejou o homem – Temos muito pouco; e o deste pouco é apenas o sobrado do dia de ontem – ensaiou mais uma explicação. – Estamos sem mais reservas. Por favor, pegue.

A criança continuou olhando. Não sabia-se, se, para o pão, para o homem, ou para qualquer outro lugar. Os olhos escuros permaneciam visualizando o espaço em volta, sem se mover. Como se fossem cegos.

Seu pescoço então mexeu-se, pendendo de súbito a cabeça para um lado, e fazendo um estalo ardío. Os homens, ali acumulados no convés, deram um salto largo para trás murmurando de susto. O mandrião mais a frente, recuou tropessante, e caiu no chão de madeira, derramando o pão inteiro. Estremeceu, querendo engatinhar para longe dali.

A criança albina ergueu a cabeça com o corpo estremecendo e convulsionando-se, até inclinar os olhos para o marujo. Passou o olhar como se analisasse cada homem dali.

Parou.

Silêncio.

-- Criança... – tentou novamente o homem.

Nada.

Os marinheiros não sabiam mais se deviam recuar ou avançar. Alguns já mormuravam para outros, balbuciando xingamentos. Outros, rezavam para todos os deuses, diante daquela figura impudica.

-- Joguemos a criança no mar... – praguejou um dos homens ao fundo.

-- Não. Prendamos ela no porão. – disse outro – Pode nos ser útil caso encontremos algum vendedor de escravos na próxima cidade. – riu.

Ouvindo o murmurar dos mandriões que se intensificavam com as novas idéias e, outros, desaprovamentos, o marujo mais a frente tomou de iniciativa. Agarrou o pão do chão, puxando junto ao miolo,um pedaço de sujeira misturada.

Levantou-se rapidamente tomado por coragem, a ingenuidade dos parceiros, e avançou até a criança, já esquecido do medo, ou tentando esquecer.

Agarrou sua mão quase num puxão e entregou-lhe o pedaço sujo de comida à força.
-- Tome! – gritou, exasperando-se.

Um silêncio súbito logo após. Todos tomaram por decisão ficarem quietos, enquanto o homem digeria a idéia do que acabara de fazer. Ensaiou um pequeno passo pra trás, temendo e já prevendo ter feito a coisa errada.

A criança, mais uma vez, não se moveu.

-- Por que diabos não estão fazendo seus serviços, bandos de cães preguiçosos – veio de súbito então uma voz altiva do fundo do convés. Aproximando-se da aglomeração e cortando a quantidade de mandriões parados por ali.

Do meio dos piratas, surgiu um homem alto, de ombros largos e cicatrizes recentes no rosto. Procurou o nada com o olhar, até encontrar o mandrião com a criança pálida mais a frente.

-- Que demônio é esse? – espantou-se.

-- Senhor... – o homem iniciou o diálogo, olhando para o capitão, mas ao fazê-lo foi rapidamente interrompido.

A criança largou as migalhas de pão ao vento e arqueou as sobrancelhas, arregalando os olhos, agora brancos.

Projetando os dentes serrilhados para fora da boca, agarrou o braço do homem e lhe penetrou forte os dentes em sua carne, jorrando um chafariz de sangue logo na primeira mordida.

-- Aaaaaaarrrrrghh!!! –o homem esganiçou de dor. A criança preparava-se para a segunda fincada. Mas o capitão agiu rápido.

Acometido pela cena, levou a mão para trás das costas, sem cerimônias, e puxou em repelão uma pistola prateada, mirando-a contra o crânio da criança.

Ouviu-se o som do disparo, e a bala voou no espaço acertando a cabeça da entidade. A criança voou pra trás, cambaleante. Bateu com as pernas na manjada da proa e caiu nas águas. Morta.

Os homens gritaram de susto; como mulheres.

-- O que o senhor fez?! – gritou o homem, balbuciando as palavras ainda em dor, e quase esquecendo-se da quantidade abundante de sangue escorrendo ao chão.

-- Matei a vadia.

-- O senhor matou uma entidade sagrada! Capitão, -- gaguejou exasperante – aquilo era um deus... – concertou – uma deusa menor!

-- Não. – impaciente – Aquilo agora é um morto – disse sem alterar a voz – E os mortos não são porra nenhuma. Vamos, voltem aos seus afazeres chacais! – gritou o capitão -- E não me chamem de novo se tiverem uma dessas em seus cintos para resolver o problema. – disse mostrando a pistola.

O comandante girou nos calcanhares para retirar-se do recinto enquanto o restante ainda permaneciam incrédulos.

A tripulação, ainda espalhada, assimilando a ordem dos acontecimentos.

-- Vocês ouviram – disse um dos marujos – Todos de volta ao trabalho!

Cada homem foi se retirando para os cantos destacados do navio, indo terminar afazeres interrompidos pela visita inesperada.

Todos, ainda abalados e incrédulos.

O comandante Imediato permanecia no mesmo lugar, com o braço ferido, esticado em direção ao chão, expelindo escarlate enquanto a outra mão tentava inutilmente paralisar a hemorragia do rasgo em sua pele. Dois homens aproximaram-se às pressas – um segurando seu ombro, e o outro carregando consigo um pedaço de pano que um dia já fora branco.

-- Para estancar a ferida. – explicou. – Rápido, deixe-me ver seu braço.
Enrolaram-lhe a faixa em volta da fenda que estava aberta na carne do homem, e prenderam-na fortemente.

-- Venha – disse um deles. – Somente isso não bastará para estancar o ferimento.

-- Ele a matou. – balbuciou o Imediato. – Ele a matou. Deu um tiro contra a cabeça da entidade. Acertou um deus menor.

Os dois mandriões entreolharam-se, mirando logo em seguida o mar. O homem balbuciante fitava a imensidão azul com os olhos arregalados, em recíproco.

-- O capitão Briggs atirou em uma entidade. – mordeu o lábio inferior e retorceu o corpo para trás. – Seremos amaldiçoados. Nós e esse maldito navio seremos injustamente amaldiçoados

Os tripulantes, em seus afazeres ao redor, tentavam fingir não terem ouvido àquelas palavras; enquanto os outros dois mais próximos, sem saber acreditar ou não, permaneciam calados.

-- Que os deuses estejam conosco. – estufou o peito em dor – Que os deuses nos façam chegar logo à cidade mais próxima. – fechou os olhos.

Resignação. Todos em volta esqueciam do que viram. Esqueciam do que o Imediato havia dito, quando vira a aparição da entidade de súbito, na proa do navio, com os braços estendidos pedindo algo. Todos esqueciam, porque era o mais certo a se fazer – agora, só as ordens do capitão era o que importava, ou se não, haveria um outro corpo vítima de um projeto do comandante. E não seria de um visitante.

O navio começava a cambalear nas ondas da maré. Por sorte, já aproximavam-se de um recife de uma cidade portuária. Altrim.



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Pendendo de cabeça para baixo, o corpo da criança mergulhava pesado como ferro no fundo do oceano – deixando um rastro inter quebrado de sangue, que esvaía de um buraco de bala em sua cabeça.

Sangue.

Vermelho e salgado, como o gosto do mar sufocante ali à toda volta.

Sangue.

Vermelho escarlate. Brilhoso e dançante.

Como os enormes tentáculos que acolheram àquele corpo no fundo do mar – um urro borbulhante.

Nas profundezas da maré.

CRY

Lágrimas caem. Dos meus olhos escorre um elemento chamado saudade. Um choro que nunca tive, e que sinto vir do fundo da minha alma, sobe pelo estômago, queima o peito, rasga a garganta. Explode pra fora.

Sentirei saudades da minha época de escola. Saudades iguais àquela que tenho da minha oitava série, quando tudo acabou e sabia que nunca mais veria as pessoas que vivi em família na rotina do dia a dia.

Passamos a vida inteira reclamando dessa coisa chamada colégio, mas hoje, em fim, vemos o lado bom da coisa. O ponto forte. A escola é o único lugar onde você aprende (querendo ou não) a viver socialmente com tanta força e maturidade.

Você enfrenta perigos distintos, sozinho ou em equipe. Não com o entortar de boca de uma criança, mas sim com a cabeça erguida de um adulto.

Dessa vez, vejo uma diferença.

Há alguns anos atrás, me despedi de amigos que sempre lembrarei – talvez não o nome, mas o rosto e o jeito. Dessa vez, me despeço como um adulto; tendo no coração todas as lembranças preciosas do que fiz e das que infelizmente não o fiz.

Dessa vez é diferente, porque nem tudo precisa ser uma realidade ruim. Escrevo estas traçadas linhas há poucos dias da despedida, para ler todos os dias e me lembrar de aproveitar o máximo até o último segundo. Nem tudo precisa ser uma triste realidade. Ainda haverá dias. Agora tenho contatos, tenho os MSNS que adicionei, os perfis no Orkut. Os seguidores do Twitter. Manterei proximidade como não pude com os amigos das antigas.

Talvez eu marque encontros com alguns; talvez eu veja muitos na rua – espero. Acima de tudo, não é tão triste, porque não será um adeus definitivo. Sei que não.

Será um lembrança definitiva. De um tempo que não voltará mais.

Isso se eu permitir.

Sejamos crianças e adolescentes para sempre, nos nossos corações e no carinho que temos quando estamos com amigos. Sejamos assim.

Maturidade tem mais haver com quantos tipos de experiência você viveu do que quantos aniversários você fez. Tenha altivez de adulto, e o coração que tem hoje. Aposto que não é tão ruim assim.

Vamos viver, pessoal. Viver de tal forma como estou vivendo agora, enquanto escrevo este texto. Dando o melhor da minha alma para escrever, me preocupando com sentimentos e não com coerência. Suficientemente para que nunca este texto tenha uma revisão sequer.

Vamos viver. Quarta. Quinta. Sexta.

Os sábados e domingos também. E as recuperações, claro!

E, esperemos. Esperemos até o dia final, onde nos reuniremos mais uma última vez na formatura, trocando sorrisos, lágrimas e risadas.

Ao descobrir que não é o fim, e sim, somente o início.