domingo, 4 de julho de 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Conto - Um Prólogo

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NOITE.
Era noite daquela vez em que o silêncio predominava. Uma monotonia de silêncio sendo quebrada constantemente pelo som do vento forte, e pelo barulho das folhas no chão.

As copas das árvores se movimentavam com força, empurradas para um lado, puxadas para o outro. Uma plena dança desordenada de movimentos e balanceios. Pois ventava. Ventava forte.
As raízes firmes e grossas cravadas contra o chão, lutavam para manter o tronco firme, ali. Mas mesmo assim, o movimento continuava, quase arrancando as árvores do solo.

No breu dominante, um vulto; e dele, uma silhueta.
Sentado atrás de um dos troncos do lugar, uma forma tão escura quanto as sombras da região se mantinha em silêncio, ouvindo apenas o barulho natural das coisas ao redor: O som da tempestade e das árvores furiosas. Mantinha-se quieto, em silêncio.

Pois estava ferido.

Olhou para um lado e para o outro, evitando ter de virar a cabeça para as direções. Tentando apenas enxergar com o que a vista permitia.
Ofegava baixo, o peito subindo e descendo rapidamente em movimento acelerado. Faltava-lhe fôlego, mas ainda sim respirava.

Silêncio total. Sempre.

-- Vou sair dessa? – Murmurou pra si mesmo, perguntando o que qualquer um perguntaria naquele momento.

Nesse exato momento, Cristopher se lembrou das várias vezes que ele se perguntara a mesma coisa. Lembrou-se das vezes em que as situações já haviam se revelado para ele de forma assustadora. Quantas foram elas, em que as emboscadas de aventuras, combates e perigos tinham se mostrado traiçoeiras? Foram diversas. Centenas de vezes em que teve de sair de problemas iguais ao que passava naquele momento. Tantos combates, inúmeras batalhas. Incontáveis demandas. Ferimentos abertos e injúrias sofridas. Apenas para serem curadas com dons divinos ou cuidados médicos.

Quantas cicatrizes desapareceram? E quais eram as que ainda tinha no corpo para lembrar-se das vitórias? Ou aquelas, para lembrar-se das derrotas.
Sim. Pois essas marcas, muitas vezes, eram os troféus dos guerreiros.
Cristopher era um deles. Um Cavaleiro.

Havia participado de muitas batalhas, e as situações sempre exigiam vida ou morte. Recebera dezenas de missões, vencera centenas de combates. E da mesma maneira que perdido alguns deles. Havia passado por tudo que um guerreiro poderia provar na vida de aventuras. Mas naquele momento, viu que não; não tudo.

Sangue escorrendo, vermelho pingando.

Tinha retalhos e cortes por todo o corpo. Ferimentos de todos os tipos: Graves e leves. Cortes e perfurações.
O punho esquerdo fechado fortemente, enquanto a mão direita mantinha-se espalmada sobre o ombro, tentando segurar uma das hemorragias. Em cima do colo, uma espada de aparência incomum. Seu cabo parecia uma mão macabra e sua lâmina lembrava uma foice.

Os dentes trincavam e serrilhavam-se. Ofegos. E um som.
Pensou ter ouvido alguma coisa. Inclinou o corpo para o lado, e escorou-se na madeira atrás de si, deixando a cabeça parcialmente para fora do esconderijo, procurando rapidamente com o olhar, o inimigo.
Não viu nada, e voltou-se novamente para trás da árvore. Abaixou a cabeça, forçou os dentes de encontro uns aos outros. Grunhiu. Inspirou.

-- Vou sair dessa? – Murmurou, repetindo consigo mesmo.

Tantas foram as vezes que havia dito a mesma coisa. Dezenas de vezes em que havia perguntado isso para si.
Todas, pelo menos que se lembrava naquele instante, havia saído com vida. De outra forma, teria sido revivido por algum sortilégio divino. Clerical. Afinal, estava ali naquele momento; vivendo aquelas cenas. Encarando aquele momento. Mas será que sairia vivo dessa?
Apesar da tudo que havia passado na vida de aventureiro, tudo parecia não ter sido como uma simples aprovação para ver se chegaria ali, naquela situação. De qualquer forma, se isso fosse verdade, havia conseguido. Passou por todas as provações. Todos os obstáculos, todos os combates.

Lembrou-se de amigos. Familiares. Amores.

Todos lhe vieram em sua mente como imagens rápidas. Todos que amava e aqueles que, infelizmente, havia perdido. E as pessoas, que ainda tinha ao seu lado, que ainda podia abraçar.

Lembrou-se também dos inimigos que odiara. Aqueles que havia combatido. Que havia vencido. Os inimigos que conseguiu matar. Daqueles que também tinham morrido não por suas mãos, e sim pelas mãos de outros adversários que eles mesmos tinham. Nas mãos do destino.
Inevitavelmente, começava a pensar sobre os que estavam vivos. Inimigos que esperava um dia, se deparar novamente para poder acertar as contas.

Tantos amigos e inimigos. Amores e ódio.

Mas agora se perguntava: viveria o suficiente para lutar mais vezes? Afinal, o momento era sombrio. A vida parecia se esvair, se fechar para ele naquele instante. Na escuridão, ele enfrentava um Lorde do Mundo dos Pesadelos.

Pensou ter ouvido novamente algo.
Rapidamente, deslizou as costas na árvore, inclinando-se de leve para o lado. Virou o rosto, e o colocou para fora do esconderijo. Nada.
Até que então, notou algo. O vento parara.
Rodou os olhos para cima, como se conseguisse ver o movimento constante de ar parando. Ouviu alguma coisa.

Começou a perceber um som agudo ao longe, se aproximando em alta velocidade. Transformando-se em algo brusco. O som tornou-se forte, cada vez mais barulhento.

Arregalou os olhos de imediato, e jogou o corpo para o outro lado da árvore, procurando enxergar o outro flanco. E tudo escureceu. Tinha errado; havia sim algo.
Viu a área se tornando mais negra, mais escura. Foi então, que viu uma rajada poderosa de trevas, consumindo toda a vegetação por onde já havia passado. Vinha ao seu encontro.
Saltou para longe, tendo seus ferimentos alargados ao movimento, sentindo o sangue jorrar ao cair no chão.
A árvore foi acertada, e em questão de segundos, sua composição era negra, e pastosa. Explodiu.

Os pedaços voaram para todas as direções, e fez com que a terra onde a árvore estava, subisse aos céus. Copas foram arrasadas. Madeiras negras e quentes voaram, e depois tombaram contra o solo.

O cavaleiro manteve-se no chão, de cabeça baixa e dentes trincados. Tentava resistir a dor o máximo que podia. Ouviu então os passos de alguém se aproximar. Sem tempo para dor. Saltou para trás depois de uma cambalhota, botou-se a ficar de pé, fitando a cortina de fumaça negra estabelecida no lugar.

Da névoa negra, uma silhueta foi se formando. Tomando forma, até sair de lá, um homem alto, corpo rígido e de pele escura. Cabelos curtos, revoltos, em constante movimento.
Um sorriso se formou no semblante do Lorde, mostrando o tom de insanidade maligna de quem sabia sobre o assunto, e os caninos pontiagudos pedindo sangue.
O demônio mirou o cavaleiro no chão, mantendo o sorriso maquiavélico ao rosto Ergueu de leve os braços que seguravam firmemente duas espadas bastardas de lâminas escuras.

-- Por que se esconde Cavaleiro? Já está ferido ao ponto de implorar por piedade? – Mantinha o sorriso que aos poucos se alargava mais.

Cristopher mirou o sorriso e os olhos demoníacos do Lorde e enrijeceu o corpo. Flexionou de leve os joelhos e tomou ás mãos, a espada.


-- Dagoon... – Pronunciou o nome, confirmando a presença do inimigo, enquanto já ficava na defensiva.

O Lorde demônio não esperou mais tempo. Saltou para frente em um giro ligeiro, e fincou os pés no chão, ganhando impulso e avançando contra o cavaleiro. O mesmo manteve-se firme por alguns instantes, até dar um pequeno salto de distância para trás. Firmou os pés.

Espada contra a cabeça e um encontro de ambas as lâminas. Mantiveram se encarando enquanto as espadas se cruzavam acima da cabeça do cavaleiro. De repente, um som agudo; e a outra espada profana do Lorde veio rasgando o ar pelo flanco.

Cristopher movimentou as mãos de forma rápida, e a arma de seu inimigo que já trincava com a sua, deslizou para o lado, indo de encontro a outra que se aproximava. Trincaram-se por mais alguns segundos, até deslizarem e começarem novos ataques e defesas.
Luzes rápidas nasciam e desapareciam em instantes no ar. Barulhos constantes de encontro das lâminas, seguidos ataques repelidos com destreza, e cortes contra o vácuo. Saltos para trás.
Como se fosse combinado; ambos no mesmo instante pularam para longe, tomando distancia segura um do outro.
O Lorde em sorriso, o cavaleiro em ofegos.

-- Está morrendo Cristopher. – Sorriu.

O cavaleiro tentava manter o olhar firme em direção ao demônio, mas o suor escorria de seu rosto e se misturava aos rios de sangue que deslizavam da testa. Apenas um olho estava aberto, o outro se mantinha fechado enquanto ofegava forte, quase caindo de joelhos.

O coração batia rápido. Respirava forte. Buscava ar constantemente.
Arregalou os olhos!
Em um movimento rápido, o Lorde juntou as duas laminas das armas em frente ao corpo e estas brilharam em tom profano até dispararem contra o cavaleiro numa rajada negra.

Cristopher saltou longe para a esquerda. Corpo aos quebrados, pedindo descanso.
Puxou a espada de aparência estranha e a mirou para o demônio. Balbuciou palavras arcanas e disparou. Uma rajada de cor negra voou da ponta da lamina como um chicote; conseguiu acertar duas árvores e por fim ricochetear contra o Lorde.
O mesmo se surpreendeu, mas desviou o corpo para o lado, e se esquivou do golpe mortal.

Cristopher caído de joelhos. Perdeu força nos braços, soltando a espada ao chão. Braços suspensos no ar, corpo inclinado para frente. Ofegos constantes aumentado. Tiras de pele dançando por todo o corpo. Sangue escorrendo – sem chance de contra ataque algum.

-- Essa foi perigosa. – o Lorde sorria. – Vai dizer que não consegue mais lutar?
-- Vou lutar até meu último pingo de suor. Até minha última gota de sangue! – Falou o mirando diretamente, trincando os dentes, resistindo á dor.

A mente queria, mas o corpo implorava. Ferimentos abertos e expostos cuspiam o sangue para fora. A pele rasgada, os cortes profundos e a carne esburacada deixavam o escarlate escorrer. A dor era terrível, mas tentava heroicamente resistir. O demônio sorriu mais largo.

-- Você está morrendo, Cristopher. – Repetiu ele. – Aceite uma morte sem dor, eu a lhe darei.

O cavaleiro em silêncio, mirando-o em raiva.

-- E depois prometo fazer seus amigos sofrerem muito.
-- Nunca!
-- Você que sabe.

O Lorde avançou. O Cavaleiro pegou a espada novamente do chão.
Cristopher já havia sofrido inúmeras injúrias, e várias vezes, quando a situação parecia se tornar irreversível, ele aceitara a morte. Contudo, nunca acreditara ter feito o suficiente pelo mundo. Sempre acreditava que poderia fazer mais, ajudar mais. Afinal, era isso que um Cavaleiro Libertador fazia. Além de levar o nome de sua Deusa para o mundo, era também responsável pelo bem das pessoas a sua volta. Pela proteção delas. Como um Paladino.

Sim, e ele o fazia com afinco. E apesar de achar que podia fazer sempre mais; nas situações irreversíveis ele aceitava a morte de frente, mas não sem lutar.
Contudo, os amigos que lhe cercavam eram o seu ouro. Sua fortuna.
Ele os amava com todo o seu ser, e costumava lhes proteger sempre que era preciso. Ajudava-os sempre que necessário. Estava presente sempre que podia. Nada mais, feria o cavaleiro do que uma ameaça aos seus amigos, ou principalmente, à sua esposa.

Ele recebeu a mensagem de Dagoon como um dardo no peito. E o ódio o fizera ficar de pé. Levantou-se de imediato preparando-se para o ataque do Lorde. O mesmo movimentou as espadas, já preparando o golpe. Sorriso no rosto do demônio. Trincares de dentes no semblante do cavaleiro. Ondas de imagens de todos os seus amigos vieram-lhe em mente. Milhares de lembranças reacenderam em sua memória. E uma rajada contra o peito.

Cristopher tomara um dos ataques profanos do Lorde demônio sem que percebesse. Voou para longe com as chamas negras consumindo-lhe a carne e bateu com as costas em uma árvore.
O sangue parara de esvair. O coração acelerado começava a bater mais lento. Os ofegos já tornavam-se poucos. A vida se esvaía – o mundo ficando escuro, e o som desaparecendo.

Cristopher não via mais com clareza, não ouvia mais com precisão. Apenas sentia o coração palpitar de lento no corpo, batendo como um tambor que fazia tudo tremer. As imagens voltaram à sua mente. As lembranças se ascendiam. E começava a ver toda a vida percorrida em questões de segundos.
Todo o início. O começo.

Viu que era de dia...