quarta-feira, 9 de maio de 2012

Pássaros e Vermes

E aí, povo sumido. Estava cá eu dando uma olhada nos contos que eu tinha guardado pra revisar e achei esse aqui. Dei uma editada nele até chegar num ponto em que fiquei satisfeito e aqui estou para postar. Engraçado é que faz tempo que tinha escrito ele, só pra ter uma ideia ele data como de Junho do ano passado.

Enfim, sem mais delongas:



PÁSSAROS E VERMES


A Máfia era o poder, o sinônimo da força. Sempre foi. E eu estava aprendendo aquilo com o tempo que me fora dado para caminhar e observar. Como as coisas funcionavam na cidade deserta de Cabo Seguro.

Eu era bem novo, uns dezoito, dezenove anos, não mais que isso. Minha vida sempre foi o caos em que a maioria dos garotos dessa idade achavam ser. Mas eu realmente era diferente.

Vivia entre os pássaros e os vermes.

E mesmo naquela época, eu já sabia disso. Porque, embora eu queira dizer aqui que não, a verdade é que passei muito dos meus dias reclamando de como tudo estava uma merda. De como a vida era injusta e como sempre me negava oportunidades. E teria passado a vida inteira reclamando se todos os caminhos que se abriram para mim não me levassem a Máfia.

Então lá estava eu, novo de vida e ainda mais novo naquele ramo.

Caminhando na rua empedrada cinza e esburacada, de subidas e descidas sem cimento ou pavimentação, encontrei-me de repente na terra e lama, onde nem o melhor dos sapatos resistiria àquelas feridas. Eu não tinha o melhor dos sapatos.

- Pra onde vamos? – perguntei.

Minha função naquela época era ir e vir com Roberto, um dos integrantes ativos da Máfia de Cabo Seguro. Caminhávamos dias e horas por ruas desertas e perigosas da cidade, cobrando pagamentos antisgos, recebendo pedidos novos. Observar tudo atentamente era o meu trabalho e o que fazia de melhor. Com o tempo você aprende a sorver a informação toda. O que ainda não vhavia aprendido é ficar calado, coisa que Roberto era muito experiente e já estava irritado pelo meu aprendizado lento.

- Pra onde vamos, agora? – voltei a perguntar depois de um longo silêncio.

- Até um amigo meu. Logo ali. – respondeu Roberto, apontando com a cabeça para uma direção alheia, refinado. Colocava um cigarro no canto da boca enquanto procurava por um isqueiro nos bolsos do paletó.

Meio dia e já havíamos ido e voltado diversas vezes por àquela rua – eu inclusive já estava bem familiarizado com ela. Tínhamos recebido recados a serem passados a Ramon, o líder da região. Pedidos para serem entregues como encomendas. Era sombrio, mas eu aprendia com cautela e obstinação – o tipo de coisa que você só tem quando é jovem.

Roberto não era um homem alto e certamente não era ninguém impressionante fisicamente. Não era muito feio ou muito bonito e nem causava tanto medo. A real é que o cara era gente fina. Havia andado muito tempo com ele e aprendido tudo que sei hoje. Entre elas, estava o fato de que Roberto conhecia muita, mas muita gente. E gostava de menos da metade delas.

Acima de tudo, o que faziam todos temê-lo não era sua aparência ou maneira de falar, mas sim o terno luxuoso que era o símbolo do trabalho que ele tinha a oferecer.

Óculos escuros escondiam seus olhos sinceros e eu viria a aprender com ele que para um membro da máfia, uma palavra significava duas, e um olhar, a sentença.

Muito dificilmente Roberto tirava os óculos, e isso acontecia nas mais raras vezes que se encontrava com um amigo em que pudesse ser franco. Caso o contrário, fazia-o quando queria usar de impressionismo para àqueles que não andavam na linha.

Servia como um recado: “Ou você anda direito daqui pra frente, ou algo de muito ruim vai acontecer a você e sua família”.

Naquela época, Roberto nunca tirou os óculos para falar comigo. E eu também não vestia um terno, como ele. Eu era apenas um garoto, entusiasmado e quieto. E naquele momento, entediado.

- Vamos enviar uma mensagem ou receber uma cobrança? – voltei a perguntar depois de um tempo.

- Não sei. – entre dentes.

- Não sabe?

Roberto pareceu perder a paciência, então deixei de perguntar. Depois de um tempo ele simplesmente voltou-se pra mim, sublime:

- Fique calmo, garoto. – um trago, suspiro, e fumaça – Vamos apenas tomar uma cerveja, -- consertou. – você, um refrigerante.

Ele tragou o cigarro mais uma vez, o fogo queimando a ponta do papel. Aceitei o fato calado e continuei a seguir com ele pela rua defeituosa.

Havíamos parado de frente a um bar, nada de impressionante. Um bar, um boteco; como qualquer outro que havia pela cidade decadente de Cabo Seguro. De repente, ao entrarmos, fomos açoitados por uma porção de cumprimentos alheios:

- Ei, Roberto! – erguiam mãos de muitos.

- Fala, grande!

- Roberto... – um meneio de cabeça ou dois.

Rostos distintos, eu não conhecia ninguém. Roberto acenou para alguns, sorriu para outros e parou para cumprimentar e passar rápidas informações para certos específicos.

- Vêm. – disse ele. Eu fui.

Caminhamos pela lateral do boteco, uma passarela com uma das paredes abertas, dando visão para a rua de fora. Ele cumprimentou o dono do lugar, um velho humilde, e depois perguntou por alguém especifico que não demorou para ser encontrado. Fomos então até o corredor espaçoso, havia cadeiras e o parapeito que dava de frente pra rua servia de mesa.

Lá estava um homem, sentado, quarenta e poucos anos, olhos azuis e cabelos claros e ralos. Não consegui distinguir se eram loiros ou brancos, mas claramente dava pra ver seu couro cabeludo.

- Hah! Aí está o homem. Roberto! – disse o estranho enquanto falava no celular. Virou-se para mim. -- E o novo aprendiz dele.

- Eu... –

- Aluno. – corrigiu Roberto, me cortando. – Aluno.

- Que seja. – risos.

Tempo.

- Não, sua vagabunda! Eu não quero que você faça isso... Não, você... Você não está entendendo!
Roberto puxou uma cadeira, sentou-se do lado do homem, estalou as costas.

Fiquei de pé, observando o homem no telefone, intrigado com o assunto e os palavrões.

- Presta atenção, cachorra. Você ainda é minha filha, tá me ouvindo? Se você sequer ousar sair com esse cara de novo eu te arrebento, você ta me ouvindo?!

Eu estava assustado, tentando entender, mas Roberto pareceu não ligar, e até  deixou uma risada leve sair. Parecia estar em casa – e estava mesmo.

- Sim. Isso. Tá... – afastando o celular do ouvido. – Beijos pra você também. Fica com Deus, meu amor. – desligou.

Roberto ficou o olhando por de trás dos óculos escuros.

- Ah, cara... – um suspiro longo. – Sabe como é, não é?

- Problemas familiares? – Roberto perguntou.

- Isso – bufou. – Isso mesmo, nada que não dê pra resolver.

- Não. – riu Roberto. – Eu não entendo, você sabe disso. A única família que eu conheço é a máfia.

- É, eu sei disso. – ele deu um largo sorriso mostrando os dentes amarelos de cigarro. A carne em volta dos seus olhos apertava-lhe a visão quando sorria.

Por um instante, silêncio e sorrisos.

- Quem é o garoto? – perguntou pra Roberto. – Quem é você garoto? – virando-se pra mim. – É novo no pedaço não é? Prazer, Raú... – estendendo a mão.

- Prazer. – cumprimentei.

- Qual o seu nome, garoto? – deu uma risada sem humor, insatisfeito com o meu apenas “prazer”.

- Qual é, Raú – interrompeu Roberto, quando eu já estava para abrir a boca e responder meu nome.

O homem sorriu.

- Sabe bem que ele não tem permissão de se apresentar. – um olhar severo pra mim visível por de trás dos óculos. – Não ainda.

Engoli seco, quase um erro grave.

- É claro. – disse o tal Raú, todo sorrisos, um molejo no corpo. – Me desculpe.

Pausa. Um tempo pra respirar.

- Ô! Samir, cadê a molhada, porra?!

O homem bateu palmas pro alto, chamando atenção.

Rápido, Samir veio até nós com uma garrafa fria de Guness. Colocou-a sobre o parapeito. Ali já havia outra garrafa, mas pela metade. O dono do bar me perguntou o que eu queria, sofri vigília severa de um olhar de Roberto enquanto eu gaguejava por uma lata de coca-cola.

- Ah! – Raú sibilou algo enquanto enchia os copos dele e de meu patrão. Líquido escuro e espumoso enchendo pouco a pouco o vidro grosso

- Poucas coisas no mundo são tão poéticas que uma espuma de Guness num caneco pint glass. Não concorda?

- Concordo.

- Saúde.

- Saúde.

Brindaram.

Pausa para beber.

- Mas diz aí, Roberto. – começando de novo. – Veio até aqui por que, hã? Não te devo nada parceiro...
- Não vim por trabalho, Raú. Vim por amizade.

O outro riu.

- Posso vir como amigo; não posso? Sentir saudades. Querer te visitar.

- Me poupe de sua viadagem, certo?

- Certo. – riu.

Eu observando, tomava o refrigerante fingindo que era algo alcoólico. O gelo trincando e ardendo meus dentes. Achei-me um idiota.

Uma menina não mais velha que eu passou na rua naquele instante. Shorts jeans curto, blusa verde clara, acentuando-lhe o corpo evoluído e atraente. Para um garoto como eu, era perfeita. Para um garoto como eu.

- Olha isso... – comentou Raú, apertando a visão para a garota de costas, a carne envolta dos olhos crescendo. – É desse tipo de mulher que eu preciso...

Roberto deu uma risada larga e gostosa, eu engasguei com o comentário.

- Dezessete anos, Roberto. Dezessete anos! E já estão assim, perfeitas, madurinhas.

Eu quis vomitar.

- Ah... Sorte a Deus de poder ainda desfrutar esse tipo de fruta, as mais novas é que são as boas. Não concorda, Roberto? – lambeu os lábios, limpando a espuma da cerveja.

- Minha mulher semana passada reclamou da viagem que fiz para o interior. Não quis ir. – Raú deu de ombros. – Sorte pra mim. – risada escancarada, e depois virou o copo de uma vez só. – Aproveitei a farra.
Roberto deu uma risada forte achando graça daquilo, eu me sentia enojado.

- Você não muda. – disse Roberto.

- Não mesmo... Escuta, preciso te fazer um pedido. Sei que é meu amigo. É meu amigo, não é? Sei que ainda trabalha pro Ramon e sei que tu ainda têm aqueles caras todos na tua cola, to certo?

- É.

- Então, cara, to querendo dar um presente pra minha filha, sabe qual é? Mas tem que ser um presente bonito. Tava querendo dar pra ela aquelas caixinhas adornadas, sabe? Aquelas que você abre e coloca o que quer dentro? Bijuteria, colar, brinco, piercings. O que for. Sabe qual é?

- Sei. – Roberto riu.

- Quanto é que sai? Sabe mais ou menos?

- Uns vinte a trinta. Não muito. Pouca coisa na verdade.

- Porra, tem como tu me ver uma dessas, cara? Tava querendo dar pra ela. Mesmo. De ouro e prata, adornada.

- Tem sim. – Roberto tirou os óculos, colocou sobre o parapeito. – Se você pagar... – bebeu.

- É claro que pago, Roberto. Ô! Que tipo de amigo você pensa que sou, caramba. – resmungando. 
Bebendo.
- Qual o trampo? – disse Roberto de repente, franco.

- É um moleque aí. – disse Raú, cuspindo na janela. – Tá me tirando a paciência. E antes fosse só isso. Tá querendo tirar a inocência da minha filha, tá entendendo?

- Sei.

- É sério, Roberto. O moleque é um filho da puta! Quero resolver essa porra, caralho.

- Era sobre isso que estava falando no celular? Era com ela que você tava falando?

- Era. – secou o copo. – Isso tá tirando minha paciência, cara. Resolve essa pra mim. De amigo, o que acha?

Fiquei olhando. Não estava mais incrédulo, eu estava indignado.

- Tudo bem. – pro meu espanto. – Quebro essa pra você.

- Pô, Roberto, muito obrigado cara, tu é meu amigo mesmo, heim. Tu sabe, né, sou teu melhor amigo.

Roberto riu.

- Eu sei cara, eu sei. Fica tranqüilo.

Os dois sorriram, encheram mais uns canecos. Eu estava completamente idiota – mas vim a aprender mais pra frente o que significava tudo aquilo. Chamava-se
máfia.

Era assim que as coisas funcionavam. Troca de interesses. Roberto conhecia gente importante, tinha contatos. E, Raú era um pedófilo mefítico
, que apenas tinha bons amigos. Não consegui passar da metade da lata de coca-cola.

- Mas diz aí, Raú. – Roberto perguntou. – Quantos anos já têm a sua filha?


- Dezesseis – respondeu ele, com um orgulho singelo. – Dezesseis anos e um corpo lindo, Roberto. Você tem que ver. Qualquer dia desses eu trago ela aqui pra você dar uma olhada. São os novos anos, cara. As garotas estão crescendo rápido, ficando mais espertas. A fruta já cresce bem mais madura, entende?


- Entendo. – Roberto rindo de canto, balançando a cabeça negativamente.


- Mas é sério, Roberto. Quebra essa pra mim, e não se esquece da caixinha de presente. Mas tem que ser 
bonita, heim. A melhor. Quero presentear a minha filha. A mais linda.

Roberto fez que sim com a cabeça, deu-lhe ao homem um bilhete e se retirou. Fui sem ter o que falar. 
Depois de um momento, ele decidiu puxar conversa.

- Quer dizer algo, garoto? – continuou ele, pela estrada esburacada, ascendendo um cigarro.

Fiz que não, mas depois:


- Por quê? – enojado.


Ele deu de ombros.


- Raú é meu amigo. – trago, suspiro. Fumaça.


***


Dez horas da noite naquele mesmo dia eu estava em um galpão. Dessa vez, não só com Roberto, mas com mais oito dos homens que ele comandava.

Raú estava sentado em uma cadeira, no centro do galpão. Estava amarrado a ela, com uma lâmpada amarela, fraca, sobre sua cabeça. Sangue escorria da sua testa, um dos olhos havia inchado e formando uma bola rocha por cima do supercílio.

- Roberto... – ele murmurou.

Havia silêncio por parte de todos.

- Você está num galpão. – respondeu ele de braços cruzados, calmo na explicação. – Estamos longe do movimento, onde ninguém vai poder te ouvir, então não berre. Vai nos poupar tempo e trabalho.
Raú soltou um ganido entre alguns dos dentes quebrados.

- São dez horas da noite. – pausa. – Paolo?

Um dos homens puxou a manga do braço esquerdo e conferiu no rolex.

- Dez e trinta e cinco.

- Certo. Dez e trinta e cinco, pra ser mais exato.

Raú tentou erguer o corpo, não conseguiu, viu que estava amarrado. Levantou um pouco a cabeça e olhou com o único olho que lhe restava. Visão embaçada, notou Roberto de frente pra ele, braços cruzados, impassível. Os oito homens fazendo a roda em volta dos dois.

Um tanto distante dali, estava eu, num canto escuro da sala. Perto de mim, havia alguns barris de gasolina empoleirados, esperando por sua vez na cena.

Senti um asco de nojo ao ver o homem me olhando. Sabia que ele não podia me ver com toda aquela escuridão, mas não evitei em desviar o olhar.

- Já é a quarta vez que estou lhe explicando isso. – disse Roberto, o outro tomou um susto. – As outras vezes você não cooperou muito e meus homens foram obrigados a lhe espancar até que desmaiasse.
Raú engoliu seco.

- Espero não ter de haver uma quinta. Você demora pra acordar, mesmo à ponta pés.

Não havia funcionado, Raú berrou em desespero e novamente foi agarrado e sido vítima de golpes de todos que estavam naquela sala, exceto eu e Roberto. Dessa vez Raú não desmaiou, mas ficara gaguejando e tossindo sangue por um longo tempo.

- Por quê? – vomitando. – Ro-Roberto...

- Você deve demais, Raú.

Tosse. Tosse.

- É porque transo com minha própria filha? – cuspindo dentes, olhar tonto, parecia não ter ouvido Roberto. – Eu juro que a trato bem, juro que minha mulher –

- Você deve demais, Raú. – interrompeu-o.

Quieto.

- Você sabe o que acontece com quem deve demais – inclinou o corpo para olhar a face desmoronada do amigo. – Não sabe?

Eu não soube, e nem sei até hoje o porquê, mas senti pena daquele homem. Durante um minuto senti muita pena. Mas passou.

- Você era meu amigo... – gaguejando. – Roberto...

Os oito se entre olharam. Roberto em sua mesma feição, por de trás dos óculos escuros.

- Perdão! – exasperou-se, consertando o erro que havia dito. – Ainda é! Você ainda é meu melhor amigo, Roberto! – disse Raú, quase aos berros.

Ele se ergueu, descruzou os braços. Procurou nos bolsos o plástico com o cigarro e puxou um maço, colocando na boca. Puxou o isqueiro, pude ver que foi naquele exato momento que Raú percebeu estar banhado por algum liquido estranho e pegajoso.

Gasolina.

- Roberto! – desespero.

- Vou te contar uma história, Raú. – paciente. – Não, na verdade é uma fábula.

- Roberto, eu pago, eu juro. Juro por Deus, por minha mulher, eu te pago! – gaguejando.

- Gosta de fábulas, Raú?

- Juro por minha filha, pelo amor de Nossa Senhora! Eu juro, Roberto, por favor!

Ascendeu o cigarro, deu uma tragada forte.

- É a história do lobo e do cordeiro. – falou sem sequer expelir um pouco da fumaça. Uma espécie de habilidade de bons fumantes.

Raú abaixou a cabeça, gaguejando, tossindo, murmurando.

- Eu pago... eu pago... juro que pago.... – chorando.

- É mais ou menos assim. – guardando o isqueiro no bolso, estalou as costas, cruzou os braços, tomando cuidado para não queimar o terno impecável.

- Havia um cordeiro na beira de um rio, ele bebia água, era um dia quente, sabe? Sede. – movimento simples com as mãos. – Foi então que apareceu um lobo.

Eu não entendia o porquê daquilo, como não entendia muitas coisas. Mas o fato é que lá estava eu, o homem gaguejando, os membros mais perigosos da máfia reunidos dentro de um galpão, e Roberto, contando uma história.

- Você sabe que em fábulas os animais falam, não sabe Raú? – continuou ele.

O homem tremia o corpo, balbuciando impropérios, desgraçando a situação.

- NÃO SABE, PORRA?!

- Sim! – berrou de volta em desespero, catarro entalando a garganta, saindo pelas narinas.

- Pois bem.

Um novo trago.

- O lobo havia se aproximado do cordeiro, foi então quando começou a falar:

“Você está sujando minha água. Esse rio há anos é limpo e puro, e você está o sujando”.

- O cordeiro então, muito sabiamente disse que era impossível, pois já há muito havia bebido naquele rio, e nunca tinha ouvido falar de que ele pertencia a um lobo.

Alguns dos oito homens sorriram.

- O lobo, zangado pela resposta, -- continuou Roberto. – tentou explicar:

“A verdade é que eu conheço você. Você me xingou aí um dia desses”, falou o lobo, “Quando eu estava dormindo em uma colina”.

- Todavia, mais uma vez, o cordeiro respondeu:

“Não pode ter sido eu. Sou muito novo, e quase não saio do meu lar, a não ser para beber água do rio.”, o lobo voltou a se zangar novamente e tentou mais uma investida:

“Então foi seu irmão!”

Naquele momento, todos do galpão pareciam prestar absoluta atenção na história, inclusive Raú, que mesmo de cabeça baixa, parara de balbuciar.

- Então... – disse Roberto. – Foi o momento que o cordeiro estranhou aquela atitude, e tentou explicar mais uma vez:

“Não pode ser verdade, seu lobo. Sou filho único! Não tenho irmãos!”.

- Por fim, o lobo cansado de tentar arranjar boas desculpas, ameaçou dizer que fora seu pai. Mas o cordeiro voltou a dizer:

“Impossível. Sou órfão. Não conheço meu pai”.

Silêncio, como se Roberto esperasse uma pergunta ousada do ouvinte da história. Raú teve um momento de vislumbre. Engoliu seco, ergueu a cabeça para olhar seu anfitrião.

- Sabe o que aconteceu, Raú?

Um engasgar.

- O lobo cansou. Cansou de uma vez, e devorou o cordeiro. Tudo em um movimento só. Tão rápido que nunca ninguém soube que ele existia. – jogou o cigarro no chão, ainda aceso. – Nada.

Raú arregalou os olhos.

- A moral da história, Raú. Quer saber o moral da história?

- Roberto...!

Não pude ver, Roberto estava de costas pra mim, mas acredito num sorriso em seus lábios.

Raú abriu a boca, mas som algum saía-lhe.

- Contra a força não há argumento. Amigo.

Um berro antecipado, Roberto virou de costas e fez um sinal simples. Um pequeno movimento enquanto vinha em minha direção.

Os homens puxaram armas de calibres pequenos, uma sequência de luz e estouros começou. Descarregaram todos os tiros contra o corpo do homem amarrado. Ele estremeceu com força a cada disparo e depois, espasmos.

Corpo mole.

Não demorou muita para que o pedaço de carne esburacada começasse a incendiar e formar uma enorme tocha que ia queimando (até explodir) em poucos segundos.

Roberto vinha em minha direção. Eu estava pasmo.

Ele tirou os óculos escuros, fitando meus olhos. De homem pra homem – não sei se como amigo, ou presa.

- Você pode escolher ser o cordeiro ou o lobo, agora. – disse ele. – Qual quer ser, garoto?

Sem pensar:

- O lobo.

- Boa escolha. – um sorriso largo, um novo cigarro entre os dedos. Eu estava vivo.

- Bem vindo à Máfia, Lobo.
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Christian Vinharski

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