quarta-feira, 9 de março de 2011

Conto - Cálice de Sangue

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A história dele era diferente. Enquanto milhares morriam e se tornavam heróis, ele precisou morrer para se tornar o vilão.

Benthan mantinha-se de pé, estacado na relva com os braços cruzados frente ao corpo, enquanto as mãos seguravam o manto que relutantemente tentava escapar de seus ombros graças ao vento forte do topo da colina.

Alí, há metros de distância do chão, o homem atravessava as brumas com o olhar, penetrando sua visão mais além. Nas estradas, há centenas de metros de distância, ele via caravanas passarem ao longe, atravessando as trilhas de terra batida seguindo rumo aos seus afazeres de trabalho.

Mas daquela distância, eram apenas pequenos pontos de desilusão, no meio há tanta terra e verde do mato.

Lembrava-se dele mesmo. Um único homem meio há tantos acontecimentos. Meio há tanta história e desgraça. Seu passado fora diferente dos milhares que viviam em tempos como àquele. Os que viveram sua guerra já há muito haviam partido, e só ele sobrara.
Os tempos passaram rápido da primeira vez. Um século pulou no tempo como um ano. E mais uma vez, entre àqueles que havia conhecido, só ele sobrou.

A vida, se não fosse uma piada dizer neste contesto, continuou seu caminho até que Benthan esqueceu. Esqueceu de quem fora, esqueceu de quem era.

Benthan era um vampiro. Há muito já havia morrido, mas não estava morto. Há muito vivia, mas não estava vivo.

Olhando o céu limpo o céu limpo, ao seu redor, a imensidão escura trovejava de pouco a pouco. Já fazia horas que anunciava chuva; e já havia horas que ele estava ali.

Até que o mundo então esclareceu acima de sua cabeça. Um relâmpago desceu como serpente pela imensidão azul, carregando duas presenças tão poderosas quanto o homem que estava ali parado.

A primeira sentelha pousou há longa distância, explodindo no chão e espalhando partes do gramado queimado. Emanava uma aura terrível, mas com uma certa ternura. Um pequeno sentimento de confiança cínica. Mas fora isso, somente sua presença por ali espalhava pelo território um mal agonizante. Um sentimento cheio de ódio e puro furor.

O segundo relâmpago chocou-se mais próximo. O visitante mal apareceu e já caminhara para próximo de Benthan.

Sorriso amistoso no rosto.

-- Parado como se esperasse alguém. – ditou o homem para Benthan – Ou, alguma coisa – relampejou mais uma vez no céu escuro. Benthan apenas o olhou sobre os ombros.

O vento parecia aos poucos parar, como se o mundo prendesse a respiração. O horizonte não ousava jogar para cima qualquer resquício da lua. As roupas do homem eram elegantes, parecia mais um aristocrata de língua hábil – e era. Vestia-se com trajes de um século passado, enquanto o interlocutor, mais ao fundo, mantinha-se apenas observando. Este, vestia-se mais parecido como um bufão.

-- Os tempos não voltam, Benthan. – continuou. – A vida é impecável.

-- A vida não é nada. – respondeu.

O homem sorriu.

-- Concordo. Mas, acima de tudo, devo dizer que os Homens não são nada. – fez uma mesura com a mão. Mostrou o mundo à volta. – As pessoas têm apenas uma escolha; viver. E todas jogam esse presente fora. Nós, Bentham – mostrou as mãos, apontou pra ele – Nós viveremos para sempre. Recebemos um pequeno presente. Nós viveremos para sempre.

Bentham ainda estava estagnado, ouvindo o homem por alguma razão que nem ele ao certo sabia.

-- Somos todos agraciados por um presente da vida. Por um presente, da nossa verdadeira mãe. Nossa verdadeira deusa. – tempo. – Nossa verdadeira, amante.

O argumento acertou direto no alvo, como uma flecha certeira na ferida. A palavra amante acertou Benthan como os relâmpagos que rugiam no céu e acertavam a terra naquele momento. O anfitrião parou por um momento assimilando aquela idéia.

-- Mas mortos... –rebateu. – Estamos todos mortos, vivendo em uma era que a vida não nos presenteou.

-- A vida não é nada. Nossa mãe é superior. Nossa amante eterna e acolhedora. A morte é um dom

-- A morte não é nada. A morte é uma droga. Os mortos não são lembrados; os mortos fedem. – Benthan encheu o peito. – Os mortos não são merda nenhuma. O que você quer, Faust?

O homem sorriu sereno. Olhou para o horizonte por um longo tempo. Benthan continuou o mirando, até que desviou o olhar por um instante, só pra conferir se o outro visitante ainda estava lá, ao fundo.

-- Vim lhe fazer uma proposta. Uma proposta que você não pode recusar.

-- Já não nos vemos há muito tempo, não acha? – disse Benthan. – Achava que já era hora de você vir me visitar por pura e simples vontade de me ver, como amigos. E, não para me colocar em problemas. Já se passou tempo o suficiente pra você mudar esse hábito.

-- Disse que vim lhe fazer uma proposta. – Faust olhou-o. – Uma que não pode e nem vai recusar.

Tempo. Benthan manteve o olhar no homem por um longo minuto e depois voltou-se para ver o outro visitante.

-- Porque trouxe ele?

Faust não se conteve, e uma risada soou pelas narinas.

-- Não fui eu que o trouxe, ele me carregou até você. – hilariante.

Olhar interrogativo.

-- Por quê?

-- Ora – respirou e gesticulou como se já fosse claro. – Porque ele me fez uma proposta que eu não pude recusar. – Faust respondeu como fosse óbvio. Benthan ficou parado.

Silêncio.

-- Você quer saber qual foi? – sorriu – Bom, há mais ou menos três anos – parou para verificar a veracidade da informação – o patrão veio até mim e me pediu para que eu buscasse alguém eficaz para um grande acontecimento. Disse que queria tê-lo na nossa rede de contatos quando tudo fosse colocado em prática, -- respirou – e que se mesmo eu não aceitando em contatá-lo, ele teria uma oferta irrecusável, no caso, para mim.
Manteve-se sólido em sua expressão. Benthan cansou de esperar, mas quando foi perguntar foi cortado para receber a resposta.

-- Ele me disse que se dentro de cinco anos não tivesse você dentro da Sociedade, -- fez uma pausa com a mão, dizendo que em seguida explicaria – então eu e meus pedaços estaríamos nela. Separados pelo mundo, apodrecendo e queimando ao toque do sol. – sorriso.

Benthan arqueou a sobrancelha de surpresa. Olhou para o outro homem.

-- Então você que está com ele, e não o contrário.

Faust sorriu de contentamento. Benthan sempre fora um homem esperto.

A Sociedade era uma organização. Havia pouco tempo que vinha-se o boato espalhando pelo mundo, que alguns vampiros muito antigos estavam se reunindo com um plano obscuro. Não sabia-se qual, mas grande parte dos vampiros poderosos recebiam convites para adentrar na Sociedade. O líder deles, não possuía nome – era apenas reconhecido pela alcunha de Patrão.

-- E o trouxe aqui por quê? Para dar a mesma proposta “irrecusável”? – perguntou Benthan.

-- Não, meu caro irmão, não – disse Faust, rindo – acho que você não entendeu. – disse. – Ele, -- apontou para o visitante ao fundo. – é o patrão.

O homem, que ali mantinha-se longe, reverenciou com a cabeça, significativamente, respondendo sem usar as palavras, que, mesmo àquela distância, ouvia toda a conversa.
-- Você pode manter-se aqui, Benthan – disse Faust – No topo da colina onde ninguém o vê. Atravessando séculos e eras escondido da história. – deu de ombros e virou-se em partida.

-- Ou pode vir conosco, e participar dela própria. – completou, apontando para trás, como se houvesse algo no horizonte.

E de fato havia. Observando ao longe, com visão apurada além do que os humanos podiam compreender, mantinha-se erguida uma estátua grande e sólida, feita de pedra maciça e marfim. O monumento representava Cyrandur Wallace, um antigo guerreiro – herói de séculos distantes. Uma figura eternamente lembrada por homens que lutaram em guerras antigas. Que foram exilados de seu próprio país, mas, graças ao herói, acharam abrigo em novas terras.

Benthan olhou de volta para Faust, agora próximo do outro visitante.

-- A morte é só o início, Benthan – respondeu Faust – E os mortos, valem muito mais do que as pessoas vivas, nos tempos de hoje. Você pode ter uma estátua reerguida em seu nome. Ou ter a alcunha esquecido, na longa e despedaçada areia, que é o tempo.
Benthan não era burro, por contrário; mais sábio do que qualquer humano que pisasse naquelas terras há cem anos. Mas os dizeres do homem penetraram-lhe na mente como se Faust pudesse lê-la.

-- Diga-me sobre essa Sociedade. Conte-me sobre esse tal acontecimento – disse – E sobre seus planos.

Dessa vez, Faust ficou quieto. O outro homem deu um passo à frente, e a grama parecia se esconder diante de seus pés. Se curvando à sua presença.

-- Prazer – o homem disse – Meu nome é Havenus, e temos muito a conversar.

Os vampiros do mundo todo, agonizaram com a presença daquele nome, naquela noite.

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Isso, ninguém ainda teria como saber; mas aconteceu há alguns anos depois desta história. Até que ascendesse de novo, a era do Cálice de Sangue.

2 comentários:

  1. Gostei!!!
    Estava me empolgando na leitura, quando fui vêr acabou o conto rsrsrs.... Parabéns Cris ... muito bom ^^ =D

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