Antes de mais nada, uma rápida
apresentação para quem não conhece a lenda.
Neil Gaiman é um dos escritores e
roteiristas mais conhecidos e aclamados da atualidade. Autor de obras
memoráveis como os quadrinhos Sandman, Hellblazer, Livros da Magia (do qual serviu de inspiração a
J.K Rowling, escritora de Harry
Potter). Escreveu também uma sequência de livros famosos como Deuses Americanos, Lugar Nenhum, e O
Livro do Cemitério -- só para citar alguns. Foi ainda
roteirista de cinema, no o épico Beowulf e a peculiar Coraline.
De longe, Neil Gaiman é um dos
maiores autores assim como faz parte da lista dos "Top literários" de
muitos leitores e escritores de hoje.
E por isso, o que ele tem a dizer é
algo importante a se ouvir.
Segue um discurso do escritor, feito
na University of the Arts,
na Filadelfia (Estados Unidos), onde ele inspira e encoraja os artistas (não só
os escritores).
Vale a pena:
~ SIGA SEUS SONHOS ~
Eu saí para o mundo. Escrevi. Tornei-me um escritor melhor na medida que escrevia mais. Escrevi um pouco mais, e ninguém nunca parecia se importar de que eu estava inventando na medida em que eu prosseguia – eles simplesmente liam o que eu escrevia e pagavam por isso. Ou não.
E frequentemente eles me encomendavam alguma outra coisa pra fazer para eles. O que me deixou com um saudável respeito e admiração pela educação superior do qual meus amigos e familiares, que frequentavam essas universidades, se curaram há muito tempo atrás.
Olhando para trás, eu trilhei uma caminhada memorável. Não tenho certeza de que posso chamá-la de uma carreira, porque uma carreira implica que eu tivesse algum tipo de plano de carreira e eu nunca tive.
A coisa mais próxima que tive foi uma lista que fiz quando tinha 15 anos com tudo que eu queria fazer: escrever um romance para adultos, um livro infantil, uma revista em quadrinhos, um filme, gravar um áudio-book, escrever um episódio de Dr. Who… e assim por diante.
Não tive uma carreira. Eu simplesmente fui fazendo a próxima coisa da lista.
Então pensei em contar para vocês tudo que gostaria de saber de saída e algumas coisas que, olhando para trás, suponho que eu sabia. E também em dar o melhor conselho que já recebi, o qual falhei miseravelmente em seguir.
O primeiro de todos: quando você começa uma carreira na arte, você não tem idéia do que está fazendo.
Isso é ótimo!
As pessoas que sabem o que estão fazendo conhecem as regras, e sabem o que é possível e o que é impossível. Vocês não.
E vocês não devem.
As regras sobre o que é possível e impossível na arte, foram feitas por pessoas que não tinham testado os limites do possível indo além deles. E vocês podem.
Se vocês não sabem que é impossível é mais fácil fazer. E porque ninguém fez antes, não inventaram regras para evitar que alguém faça.
Em segundo: se você tem uma idéia do que você quer fazer, sobre o que você foi colocado aqui no mundo para fazer, então simplesmente vá e faça.
E isso é muito mais difícil do que parece e, algumas vezes, no fim, muito mais fácil do que você poderia imaginar.
Porque normalmente há coisas que você precisa fazer antes de que você possa chegar aonde quer estar.
Eu queria escrever quadrinhos, romances e histórias e filmes, então me tornei jornalista, porque jornalistas têm permissão para fazer perguntas, para simplesmente ir adiante e descobrir como o mundo funciona, e além disso, para fazer essas coisas eu precisaria escrever. Escrever bem.
E eu estava sendo pago para aprender como escrever de forma econômica e clara, às vezes em condições adversas, em tempos adversos.
Algumas vezes o caminho para fazer o que você espera fazer estará claramente delineado; e às vezes será quase impossível decidir se você estará ou não fazendo a coisa certa.
Porque sempre terá de balancear suas metas e esperanças, alimentar-se, pagar as contas, encontrar trabalho e se adequar ao que pode encontrar.
Uma coisa que funcionou para mim foi imaginar que onde eu gostaria de estar – um autor, principalmente de ficção, fazendo bons livros, fazendo bons quadrinhos e me mantendo através de minhas palavras – era uma montanha. Uma montanha distante. A minha meta.
Eu sabia que enquanto me mantivesse andando em direção à montanha eu estaria bem. E quando eu não estava verdadeiramente certo acerca do que fazer, eu poderia parar e pensar se aquilo estava me levando à montanha ou me afastando dela.
Eu disse não para trabalhos editoriais em revistas – trabalhos adequados que teriam me pagado muito bem – porque eu sabia que por mais atrativos que fossem, para mim, estariam me deixando mais distante da montanha. E se essas ofertas tivessem aparecido mais cedo talvez eu as tivesse aceitado.
Elas ainda me deixariam mais perto da montanha do que eu estava na época.
Aprendi a escrever escrevendo. Eu tendia a fazer qualquer coisa, desde que parecesse uma aventura. E eu parava de fazer, quando parecia trabalho – o que significou que a vida não se parecia com trabalho.
Terceiro: quando você começa, precisa lidar com os problemas do fracasso. Vocês precisam ser “osso duro de roer”, precisam aprender que nem todo projeto sobreviverá.
Uma vida como freelancer, uma vida na arte, é muitas vezes como colocar mensagens em garrafas numa ilha deserta, e esperar que alguém encontre uma dessas garrafas, abra, leia e coloque algo em outra garrafa que fará seu caminho de volta: seja ele um apreço ou encomenda. Dinheiro ou amor.
E vocês têm de aceitar que vocês poderão lançar uma centena de coisas para cada garrafa que aparecerá retornando.
Os problemas do fracasso são problemas de dês-encorajamento, de desespero e ansiedade. Você deseja que tudo aconteça, e quer que as coisas aconteçam agora.
E as coisas dão errado.
Meu primeiro livro – uma peça de jornalismo que tinha feito pelo dinheiro, e que já tinha me comprado uma máquina de escrever eletrônica do adiantamento – deveria ter sido um Best-seller. Deveria ter me pagado muito dinheiro. Se a editora não tivesse involuntariamente ido à bancarrota entre a primeira impressão se esgotar e a segunda sair, e antes que quaisquer direitos pudessem ser pagos, ele teria me dado muito dinheiro.
E eu dei de ombros. Ainda tinha minha máquina de escrever eletrônica e dinheiro o bastante para pagar o aluguel por um par de meses, e decidi que eu faria o meu melhor para no futuro não escrever livros apenas pelo dinheiro.
“Se você não ganha dinheiro, então você não tem nada”.
Se eu fizesse um trabalho do qual me orgulhasse e não ganhasse grana, ao menos eu teria trabalhado.
De vez em quando, esqueço essa regra. E sempre que o faço o universo me bate com força para me lembrar dela.
Não sei se isso é um problema para mais alguém além de mim, mas é verdade que tudo que fiz em que a única razão era ganhar dinheiro, jamais valeu a pena – exceto como amarga experiência.
Normalmente nunca dei o trabalho por encerrado ao receber o dinheiro, por outro lado, as coisas que fiz porque estava empolgado e queria vê-las existindo, nunca me decepcionaram e eu nunca me arrependi do tempo gasto com nenhuma delas.
Os problemas do fracasso são difíceis.
Os problemas do sucesso podem ser ainda mais difíceis, porque ninguém lhes avisa sobre eles.
O primeiro problema de qualquer tipo de sucesso limitado é a convicção inabalável de que você está fugindo com algo, e de que a qualquer momento irão descobri-lo.
É a Síndrome do Impostor, algo que minha esposa Amanda batizou de Polícia da Fraude.
Em meu caso, eu estava convencido de que alguém bateria na minha porta, e um homem com uma prancheta (não sei por que ele carregava uma prancheta, mas em minha cabeça ele carregava) estaria lá para me dizer que estava tudo acabado e eles me pegariam. E que agora eu teria de ir e conseguir um trabalho de verdade, algum que não consistisse de inventar coisas e escrevê-las, e ler livros que eu quisesse ler.
E então eu partiria silenciosamente e pegaria o tipo de trabalho no qual você não tem de inventar mais coisas.
Os problemas do sucesso... Eles são reais e com sorte vocês irão experimentá-los. O ponto em que você para de dizer sim pra tudo, porque agora as garrafas que você lança no oceano estão todas voltando, e você precisa aprender a dizer não.
Observei meus colegas e amigos, aqueles que eram mais velhos que eu, e observei quão infelizes alguns deles se sentiam. Eu os ouvi dizendo que não podiam encarar um mundo no qual não tivessem que fazer o que sempre quiseram fazer – porque agora eles tinham de ganhar uma certa quantidade de grana todo mês apenas para se manter onde estavam.
Eles não podiam ir e fazer as coisas que importavam e que realmente queriam fazer; e isso me pareceu uma tragédia tão grande quanto qualquer problema de fracasso.
E depois disso, o maior problema do sucesso é que o mundo conspira pra que você pare de fazer o que você faz.
Porque você é famoso.
Houve um dia em que olhei e me dei conta de que eu tinha me tornado alguém que profissionalmente respondia e-mails e escrevia como um hobby. Eu comecei a responder menos e-mails, e fiquei aliviado por perceber que estava escrevendo muito mais.
Em quarto: eu espero que vocês cometam erros.
Se vocês estão cometendo erros, significa que estão por aí fazendo algo. E os erros em si podem ser úteis.
Uma vez escrevi o nome Caroline errado em uma carta, trocando o A pelo O, e eu pensei, “Coraline, parece um nome real…”. E daí surgiu meu livro.
Lembrem-se, não importa a área em que estejam, se você é um músico ou fotógrafo, um artista fino ou um cartunista. Um escritor, um dançarino, um designer... O que quer que faça, você têm algo que é único. Você têm a habilidade de fazer arte.
E para mim, e para muitas das pessoas que conheço e conheci, isso tem sido um salva-vidas. O salva-vidas definitivo. Ele lhe leva através dos bons momentos e pelos outros.
A vida às vezes é dura. As coisas dão errado, na vida e no amor e nos negócios e nas amizades e na saúde e em todos os outros modos que a vida pode dar errado.
E quando as coisas ficam difíceis, isso é o que vocês devem fazer. Fazer boa arte.
Eu estou falando sério. O marido fugiu com uma política?
Faça boa arte.
Perna esmagada e depois devorada por uma jiboia mutante?
Faça boa arte.
Imposto de renda te rastreando?
Faça boa arte.
Gato explodiu?
Faça boa arte.
Alguém na internet pensa que o que você faz é uma merda ou já foi feito antes?
Faça boa arte.
Provavelmente as coisas se resolverão de algum modo e eventualmente o tempo levará a dor mais aguda, mas isso não importa. Faça apenas o que você faz de melhor.
Faça boa arte.
Em quinto: enquanto estiverem nisso, façam a sua arte. Façam as coisas que só vocês podem fazer.
O impulso inicial é copiar. E isso não é uma coisa ruim. A maioria de nós só descobre nossas próprias vozes depois de termos soado como um monte de outras pessoas!
Mas uma coisa que você tem que ninguém mais tem, é você. Sua voz, sua mente, sua estória, sua visão. Então escreva e desenhe e construa e toque e dance e viva como só você pode viver.
No momento em que sentir que você está andando na rua nu, – expondo muito de seu coração, de sua mente e do que existe em seu interior, mostrando demais de si mesmo – esse é o momento em que você pode estar começando a acertar.
As coisas que fiz que mais funcionaram foram as das quais menos estava certo. As estórias das quais eu tinha certeza de que funcionariam ou mais provavelmente seria o tipo de fracasso embaraçoso, que as pessoas se juntam para falar até o fim dos tempos.
Elas sempre tiveram isso em comum: olhando em retrospectiva, as pessoas explicam porque foram sucessos inevitáveis.
Enquanto as estava fazendo, eu não tinha ideia. Ainda não tenho.
E onde estaria a graça de fazer alguma coisa que você soubesse que iria funcionar?
Às vezes as coisas que fiz realmente não funcionaram. Há estórias minhas que nunca foram reimpressas. Algumas delas nunca sequer saíram da minha casa. Mas eu aprendi com elas tanto quando aprendi com as coisas que funcionaram.
Sexto: eu passarei algum conhecimento secreto de freelancer.
Conhecimento secreto é sempre bom. E é útil para qualquer um que alguma vez já planejou criar arte para outras pessoas.
Eu aprendi isso com os quadrinhos, mas se aplica a outros campos também. E isto é:
As pessoas são contratadas porque de algum modo, elas são contratadas.
Em meu caso eu fiz algo que atualmente seria fácil de checar, e me colocaria em problemas. Quando comecei, naqueles dias pré-internet, parecia uma estratégia de carreira sensata: quando editores me perguntavam para quem eu já tinha trabalhado, eu mentia.
Eu listei uma série de revistas que soavam razoáveis, e soei confiante, e consegui os empregos. Então transformei em uma questão de honra conseguir escrever algo para cada uma das revistas que eu listei para conseguir aquele primeiro emprego. De modo que não menti de fato, só fui cronologicamente desafiado… Você trabalha de qualquer maneira, desde que trabalhe.
As pessoas se mantêm trabalhando em um mundo de freelances, e mais e mais do mundo de hoje é freelance, porque seu trabalho é bom e porque são fáceis de conviver. Elas entregam o trabalho em tempo. E você nem precisa de todos os três. Dois em três está bom.
As pessoas irão tolerar quão desagradável você é se seu trabalho for bom, e você o entregar no prazo. Elas perdoarão o atraso do trabalho se ele for bom, e se elas gostarem de você.
E você não precisa ser tão bom quanto os outros se for pontual e se for sempre um prazer conversar com você.
Quando concordei em fazer esse discurso, comecei tentando pensar em qual tinha sido o melhor conselho que já havia recebido ao longo dos anos. E ele veio do Stephen King há vinte anos atrás, no auge do sucesso de Sandman.
Eu estava escrevendo um quadrinho que as pessoas amavam e estavam levando a sério. Stephen King gostara de Sandman e de meu romance com Terry Pratchett, o Belas Maldições (Good Omens).
E ele viu a loucura, as longas filas de autógrafos, tudo aquilo, e seu conselho foi este:
“Isso é realmente ótimo. Você deveria aproveitar isso.”
Eu não aproveitei.
O melhor conselho que recebi eu ignorei. Ao invés disso, me preocupei com aquilo. Preocupei-me com o próximo prazo, a próxima ideia, a próxima estória.
Não houve um momento nos próximos quatorze ou quinze anos em que não estivesse escrevendo algo em minha cabeça, ou imaginando a respeito.
Eu não parei e olhei ao redor e pensei: “isso é realmente divertido”.
Eu queria ter aproveitado mais.
Tem sido uma caminhada incrível, mas houve partes da trilhada que eu perdi, porque estava muito preocupado nas coisas darem errado, sobre o que viria depois, e não apreciei a melhor parte em que estava.
Essa foi a lição mais difícil pra mim, eu acho. Relaxar e curtir a caminhada. Porque a jornada o leva a alguns lugares memoráveis e inesperados. E aqui, nesta plataforma hoje, é um destes lugares.
E eu estou curtindo isso imensamente.
Para todos os graduandos de hoje eu desejo a vocês: sorte.
Sorte é útil. Frequentemente vocês descobrirão que quanto mais duro e mais sabiamente vocês trabalharem, mais sortudos serão. Podem apostar.
Existe sorte, e ela ajuda.
Estamos em um mundo em transição neste momento. Isso é, se todos vocês estiverem em qualquer campo artístico. Então, todos estamos num mundo em transição.
A natureza da distribuição está mudando, os modelos pelos quais os criadores entregavam seu trabalho pelo mundo (e conseguiam comer sanduíches e manter um teto sobre suas cabeças por isso), estão todos mudando.
Eu falei com pessoas do topo da cadeia alimentar em publicações, e em todas essas áreas ninguém sabe com qual paisagem se parecerá daqui a dois anos – o que dirá daqui a uma década.
Os canais de distribuição que as pessoas construíram ao longo do último século, ou mais, estão em contínua mudança, para os impressos, para os artistas, para os músicos. Para as pessoas criativas de todos os tipos.
E o que é por um lado intimidante, é por outro imensamente libertador!
As regras, as suposições, o agora, nós devemos fazer de como você consegue expor seu trabalho e o que você faz a seguir, está ruindo. Os porteiros estão deixando seus portões abertos. Vocês podem ser tão criativos quanto precisarem para conseguir visibilidade.
YouTube e a web (e o que quer que venha depois do YouTube e da web) podem dar a vocês mais pessoas de audiência do que a televisão jamais deu. As velhas regras estão desmoronando e ninguém sabe quais são as novas regras.
Então inventem suas próprias regras.
Alguém recentemente me perguntou como fazer alguma coisa que ela achava que seria difícil – em seu caso, gravar um áudio-book – e eu sugeri que ela fingisse que ela era alguém que poderia fazê-lo.
Não fingir fazê-lo, mas fingir que era alguém que podia fazer.
Ela colocou uma nota para este efeito na parede do estúdio, e disse que isso ajudou-lhe muito.
Então sejam sábios. Porque o mundo necessita de mais sabedoria e se vocês não puderem ser sábios, finjam ser. E então apenas se comportem como um sábio se comportaria.
Agora vão.
Cometam erros interessantes, cometam erros maravilhosos, façam erros gloriosos e fantásticos. Quebrem regras. Façam do mundo um lugar mais interessante por vocês estarem aqui.
Façam boa arte.
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