terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O Veneno de Minha Alma - Parte 4 (Final)

.

                A sala era grande, alta e redonda. A iluminação alva da lua provinha do teto circular aberto ao ar livre, e ao longo das paredes, sete estátuas de mármore cheia de veios representavam figuras endiabradas com garras, chifres e dentes protuberantes; paralisadas numa alegoria dos pecados mortais. O chão liso era entrecortado por reentrâncias  na rocha, formando um pentagrama meticulosamente esculpido.


                Um homem tatuado e uma mulher de aparência jovem jaziam na sala de joelhos e braços amarrados para trás, esperando àqueles que seriam seus carrascos. Simion notou que possuíam no semblante uma expressão desprovida de esperança; estavam desgarrados de suas vidas como gado ao aguardo do matadouro.

                Resignação, foi a palavra que lhe veio a cabeça.

                — Agora em suas posições. — falou Hiraeth, depois de cada um puxar dos bolsos os componentes obrigatórios do ritual.

                Os sacerdotes negros, Illith e Urungoy, caminharam até os dois humanos e arrastaram-nos pelo enorme pentagrama no chão. Houve um resquício de resistência por parte da mulher que Illith puxara, mas que foi rapidamente aquietada numa bofetada.

                Ao todo eram seis, e cada um estava prostrado numa ponta cardeal baseada nos vértices da estrela. Empunhando os componentes mágicos, Hiraeth começou o louvor, logo depois sustentada por uma cantiga macabra entoadas por Urungoy e Illith. Não demorou muito para que chegasse a vez de Simion, que ergueu os braços e proferiu as palavras em uníssono.

                O elfo púrpura já havia se encontrado ali antes, naquela mesma situação perniciosa, e quando minutos depois do início do ritual o céu começou a lançar correntes de vento atroz, arrancando árvores do chão, anunciando uma tempestade com os clarões por de trás das nuvens carregadas, Simion soube que estava próximo.

                — Agora! — gritou Hiraeth, e todos eles puxaram um punhal prateado contra o vendaval. Os três bruxos sangraram os próprios pulsos, largando os componentes ao chão. O pentagrama foi tomada por uma aura de luz sombria e um ruído estranho no céu fez a espinha de Simion gelar.

                Illith foi o primeiro, caminhando até a mulher ajoelhada, seguindo a aresta do desenho geométrico. Girou por de trás dela, e num puxão, ergueu seu rosto em direção ao céu tempestuoso.

                — Sangue jovem por libido inacabável! — gritou.

                 A faca encontrou o pescoço da menina, rasgando-lhe a pele fora a fora. Um jorro incontido de sangue banhou o desenho no chão. O corpo da garota caiu mole, a luz negra assimilando suas voltas.

                "Ainda não", lamentou Simion, entre dentes. "Ainda não é  hora".

                Em seguida marchou Urungoy. Equilibrando-se pela linha reta chegou até o homem do outro lado da sala; agarrou-o pela nuca.

                — Sangue mágico, por domínio arcano. — e rasgou-lhe a traqueia.

                Ouviu-se um trovão lá no alto no mesmo instante que o vermelho esguichou do pescoço para frente. As nuvens do céu, escuras e pesadas como chumbo, já haviam escondido o luar na tempestade. Lá fora, as árvores lutavam para se manter no chão, as raízes estalando sob o solo.

                Hiraeth puxou a joia e a ergueu para o centro do pentagrama, Simion fitou seu coração amaldiçoado nas mãos da mulher.

                — A vida esculpida, por uma juventude longeva! — disse ela, e antes que pudesse qualquer coisa, Simion sacou uma faca escondida e cortou o pulso, derramando seu sangue púrpura no desenho.

                — Não! — gritou Illith.

                Houve um segundo de exasperação.

                — O que está fazendo, idiota?! — Urungoy arguiu.

                O elfo mostrou os dentes.

                — Façamos uso do sacrifício de vocês... com um pedido de verdade. — disse olhando para Hiraeth que mantinha o olhar paralisado nos dele. Ela tentou se mover para continuar o ritual, mas trincou os olhos ao perceber que estava petrificada em sua posição, as mãos erguidas a frente segurando a joia. Os outros dois repetiram a intenção e não obtiveram sucesso.

                "Como as estátuas da sala". — o elfo deu uma risada sarcástica.

                — Simion... O que você vai... — a pergunta de Hiraeth ficou no ar. O elfo púrpura sentiu o aperto sobrenatural no peito, algo o forçando a desistir.

                — Vai prender nossas almas no limbo, imbecil, você não tem nada a oferecer — urrou Urungoy.

                — Errado. — disse ríspido.

                Simion partiu ágil, sobre a linha que ligava o cardeal a Urungoy e, num instante, estava sobre ele.

                — Eu tenho vidas. A vidas de todos vocês.

                Antes que o contrariasse, a faca do elfo assobiou no ar e foi de encontro ao pomo de adão do homem. Um barulho nojento vazou no canto da lâmina junto com incontáveis filetes de sangue, e então o elfo puxou a arma para si. O corpo do brutamontes tombou pesado.

                — NÃO! — Illith exasperou, tentando se mover. Simion atravessou a sala como um raio sob as arestas e chegou até ele, gracioso.

                — Por favor, eu —

                Corte.

                O corpo do segundo caiu, num instante, mole.

                Hiraeth mexeu os olhos como pôde, mirando Simion com uma expressão de pavor, temendo ser sua hora.

                — Simion... — gaguejou — Por que me traiu?

                O elfo sabia que não havia tempo, e um relâmpago o lembrou disso quando arranhou as nuvens com um ruído tremendo.

                — Eu não seria capaz disso — Simion murmurou com a voz abafada — Só que estou cansado. Cansado de sofrer, Hiraeth — e se aproximou.

                Lágrimas brotaram dos olhos da mulher.

                — Então me mate. Acabe com esse desespero — Hiraeth soluçou. — Acabe com isso, me mate...

                Simion enxergou o sofrimento nos olhos da mulher. Seus segredos sombrios lhe saltaram na memória no instante que avistou a joia; assim como ela antes havia lhe entregado as verdades de Hiraeth, no simples toque. Se perguntou se a maldição havia lhe desgraçado, tanto quanto ele a amada. A pedra não só o corrompeu, percebera. Numa outra vida tudo teria sido diferente, quem sabe?

                O suor nas mãos de Simion escorregavam o cabo da faca.

                — MATE-ME! — Hiraeth berrou.

                Um estrondo maciço ecoou na parte do paredão da montanha ao lado, um rochedo tão enorme quanto um navio se desprendeu mergulhando no precipício.

                Simion sorriu.

                — Eu não posso.

                O elfo girou a ponta da arma para si, fincou-a no ventre sem cerimônias. Abriu a pele lilás num puxão de baixo a cima, da barriga ao pescoço. Hiraeth gritou, a visão do elfo pesando. Uma onda de sensações indescritíveis subjugou o que restara dos sentidos; tato, visão, olfato, paladar, audição... Tudo se desligou. Simion piscou com a última imagem à sua frente: Hiraeth.

                Escuridão.

* * * * *

                Quando anos depois uma carroça atravessou uma estradinha esburacada e ladeada por milharais e outras plantações de trigo, os camponeses da cidade de Portfeld responderam as perguntas do cocheiro apontando para o vilarejo que permeava o redor do castelo.

                — E o que aconteceu no final? — perguntou uma garotinha de cabelos em caracóis.

                Uma procissão de crianças estavam sentadas a beira do lago que abastecia o vilarejo, impressionadas, queriam saber o final da história dramática cheia de magia negra e mistérios.

                — Bem — disse a menina em pé, com os joelhos brancos ralados da infância, e o vermelho vivo do cabelo dançando arredio na brisa leve. — Acontece o que acontece como nas outras histórias. Eles vivem felizes para sempre.

                — Ahh, bobagem! — reclamou um menino do fundo. — Hiraeth não sabe terminar a história e não teve coragem de dizer o que acontece com eles no final...

                As crianças olharam para ele.

                — O quê?

                — Eles morrem, é claro. — ele disse encolhendo os ombros. Um burburinho entre eles começou, alguns retorcendo o rosto para aquilo.

                — Eu prefiro acreditar no final da Hiraeth — disse uma garotinha de olhos azuis e sardas no rosto — É muito mais bonito.

                — Pft... — reprovou o garoto. — Mas histórias assim não acontecem de verdade. Vamos, eu prefiro brincar de cavaleiro contra o ladrão!

                As crianças levantaram e correram rapidamente se espalhando no vilarejo, pegando pedaços de pau e galhos no chão, improvisando-os como armas de brinquedo. Hiraeth ficou sozinha na beira do lago. Seu olhar voltou-se para água enquanto correu os delicados dedos até o relicário que tinha no pescoço; uma pedrinha vermelha presa num cordel.

                Um cavalo relinchou, anunciando uma carroça que acabara de frear no meio do vilarejo. Distante em seus pensamentos, Hiraeth não percebeu quando passos se aproximaram dela e estacou próximo.

                — Ei, menina de cabelos vermelhos

                A garota se virou. Era um jovem, oito ou nove anos, assim como ela. Cabelos negros e escorridos possuía um semblante calmo e bonito. Hiraeth apertou a joia, escondendo-a — não a mostraria para ninguém. Sob o olhar atento do rapaz, ele sorriu.

                — Você também tem não é? As visões... — ele remexeu os bolsos e tirou uma lasca de pedra vermelha, semelhante com a dela, estendeu em sua direção, mostrando. — Veja. Eu também posso ver... As pessoas, as visões...

                Hiraeth pendeu a boca, não acreditara naquilo. Achara desde cedo que havia nascido com alguma maldição; sonhos de bruxa? Era perigoso demais.

                — Eu também tinha medo no começo — ele disse — Mas depois entendi o que significa, a pedra me contava uma história... Me trouxe até aqui.

                Ela compreendeu.

                — Qual é o seu nome?

                — Hiraeth... — disse num tom inseguro. Ele sorriu, e ela retribui o mesmo. Algo no peito do jovem se mexeu. — E você?

                O menino olhou para trás, o cocheiro, o homem de cabelos negros e azulados que o adotara desde cedo, estava certo quando o aconselhava sobre as visões: Bielefeld era o reino da cavalaria, dos heróis e da nobreza. Mas também era o reino das verdades e da bondade pura. Tudo que havia de acontecer, era porque era justo.

                O rapaz voltou-se para a jovem ruiva e sorriu.

                — Me chamo Simion.

                As duas joias ascenderam.

.

~ Christian Vinharski

domingo, 4 de janeiro de 2015

O Veneno de Minha Alma - Parte 3 (penúltimo)

.

                Já era noite silenciosa quando os cavalos de Simion e Hiraeth anunciaram sua chegada, partindo um galho seco, provocando um estalar agudo. Avistaram a silhueta dos dois anfitriões que os esperavam — ambos se levantaram ao mesmo tempo na chegada dos visitantes. Ao lado deles havia uma gruta aquinhoada a um paredão de rocha escarpada, a montanha alta.

                — Illith e Urungoy — pronunciou Hiraeth quando aproximou o cavalo dos dois. Ambos fizeram uma mesura rígida e depois repetiram o movimento à Simion. O elfo os observou através da penumbra e forçou-se a não retorcer o rosto em desprezo. Os dois não haviam apenas atraído o asco de Simion como também seu ódio. Se havia seres mais desprezíveis que àqueles dois, o elfo ainda não conhecera em vida.

                O bruxo a que chamavam de Illith, estava sob uma capa de um veludo azul desbotado e empapado de sangue seco, indicando o carniceiro, que Simion sabia, que ele era. O capuz maltrapilho sobre a cabeça ajudava a esconder os cabelos ralos e esburacados, que compunham a figura simiesca que era seu rosto. Um dos olhos possuía uma cicatriz grotesca que há muito havia lhe tirado a visão e em troca deixado o olho leitoso. Simion imaginava quão desgraçado havia sido a falha daquele ataque — não concedia perdão à quem não havia arrancado a vida do maldito. Já Urungoy era mais alto e encorpado, escondendo o peito largo e deformado por debaixo da túnica negra. Assim como o outro, abrigava o rosto por de baixo de uma toca, mas o queixo protuberante elevava-se para frente revelando os dentes tortos, paralisados no sorriso sínico e maldoso da expressão ordinária. As manzorras cheia de calos e pústulas sugeriam à Simion que o homem fosse capaz de torcer o pescoço de um cavalo apenas com força bruta. Não importava.

                Aquilo logo teria um fim.

                Simion apeou do cavalo e aproximou-se de Hiraeth ajudando-a desmontar. Illith aproximou-se dos dois com as mãos juntas.

                — O local está todo pronto, armamos o terreno conforme a posição do luar — veio sua voz arranhada.

                — Ótimo. — disse Hiraeth. — Qual será o serviço prestado no ritual de vocês?

                O elfo viu a cicatriz do homem se retrair junto ao rosto de alegria antecipada enquanto movia suas mãos freneticamente, limpando algo invisível como um mosca.

                — A juventude de uma moça — respondeu ansioso.

                — O sangue de um abençoado. — disse Urungoy, logo atrás.

                Sem querer saber o que ganhariam em troca, Simion achou ambas respostas suficientes para ganhar sua aversão. Aparentemente Hiraeth também não quis saber.

                — Sem mais atrasos, vamos logo. — ela ordenou.

                Os quatro entraram pela caverna lodosa, arrastando os cavalos sob o protesto dos mesmos — os animais sentiam o ar hostil, viam que àquele lugar tinha algo de errado. Sob os relinchos langorosos, foram levados até uma baia improvisada que havia no caminho. Uma vez amarrados, Simion, Hiraeth, Illith e Urungoy se colocaram a caminhar subindo uma rampa natural da gruta, num aclive escorregadio, até se depararem com uma porta de madeira e bronze, ladeada por dois pedestais de archote com figuras demoníacas esculpidas na base.

                Hiraeth tomou a frente, ergue as mãos na direção da porta e entoou palavras ininteligíveis. Ouviu-se um estampido sinistro do outro lado da parede e então a porta destrancou.

                — É hora. — proclamou Hiraeth. E entraram.

sábado, 3 de janeiro de 2015

O Veneno de Minha Alma - Parte 2

.

                Ele estava acorrentado à Hiraeth. A cada passo que se distanciava, as correntes enrijeciam puxando-o para trás. Como se libertar de alguém que tinha como algema seu próprio coração?

                Do alto de uma árvore, o elfo observou o sol ainda baixo sobre as montanhas no horizonte, ascendendo o dia ao longo que cobria os campos de capim além da visão do reino de Bielefeld. As cenas pesarosas da noite anterior visitavam sua mente repetidas vezes, importunas como uma lembrança descartável que insistia em fazer parte da memória rotineira.

                Lembranças.

                Os elfos púrpuras eram nômades ávidos, vivendo numa caravana insistente pelo mundo de Arton. Não se sabia ao certo de onde vieram e há quantos séculos surgiram, mas era claro que não haviam conseguido achar o seu lugar. A raça de pele roxa e cabelo congênere estabelecia-se pouco tempo em um território — menos ainda era seu contato com os demais povos do Reinado, na maioria das vezes sendo apenas fábulas misteriosas contadas à crianças incautas e que eram feitas de troça pelos elfos de Lenórienn. Mas um segredo ainda mais enigmático se ocultava em sua existência. Atingida a maturidade de um elfo púrpura, seu coração transformava-se em uma joia, que uma vez palpável, devia ser guardada em silêncio ou entregue à uma pessoa de confiança que a assegurasse. Caso caísse em mãos erradas, o elfo teria sua vida comprometida a uma eternidade de escravidão aos desejos de seu dono, possuidor do poder de sua existência.

                Quando Simion completara cem anos de sua vida longeva, seu pai, líder da caravana de seu povo, honrou seu nome com um casamento prometido a filha de um de seus compatriotas. Os elfos púrpuras mantinham a tradição rígida de casar-se entre si para que seus segredos não esvaíssem ao mundo, mas Simion relutou contra a ideia. Depois de meses de tormento, o rapaz revelou que havia sido desperto. Uma vez que o elfo púrpura tinha de presentear seus coração a uma alma segura, a paixão dele era eterna. Um elfo da raça nunca seria capaz de amar outra pessoa, uma vez que esse sentimento fosse despertado em seu íntimo. E Simion havia se apaixonado por uma humana.

                Tomado pelo sentimento de rebeldia, e motivado pela fúria de seu pai e os protestos de seu povo, Simion fugiu com a joia em mãos, viajando ainda madrugada, para entregar o presente à Hiraeth, a humana que havia sido a responsável pelo seu amor. Ela por outra vez, era uma itinerante que há meses havia cruzado seu caminho. Feita de beleza e cabelos de fogo, a menina correspondera sua paixão; Simion só não poderia saber que o resto da história seria sofrimento, Hiraeth também possuía segredos ocultos.

                — Está na hora. — a voz veio de baixo da árvore. O elfo despertou de seus devaneios quando viu a bruxa aproximando-se, vestia uma túnica verde escura que se escondia por de baixo de uma capa cinzenta e de tecido grosso que se arrastava ao chão pelo caminho feito. A mulher escondia o rosto sob o capuz.

                — Hora de quê? — perguntou Simion intrigado. Saltou da árvore e caiu ao seu lado, analisando o rosto de Hiraeth com cautela.

                — Você se esqueceu? — ela ergueu a mão e tocou seu rosto — Não o culpo, ontem foi uma noite difícil e dolorosa, como está se sentindo?

                Simion fechou os olhos enquanto se amaldiçoava por amá-la. Era algo além de seu controle, que desfalecia os pensamentos de ódio, vingança, bastava um toque.

                Ele fez que sim com a cabeça. E depois:

                — Para onde vamos?

                — O ritual — ela disse. Simion gelou por dentro.  Lembrou-se do dia que era do mês, sua mente estava em frangalhos depois das torturas que sofrera. Os olhos de Hiraeth  faiscaram quando pareceu notou interesse no semblante do elfo. — Espero que tenha pego tudo que lhe pedi.

                — Tudo — confirmou. — Apenas não havia me lembrado que era hoje

                — Amanhã — ela lhe corrigiu e então abaixou o braço. — Mas viajaremos hoje, temos de estar no terreno à meia-noite.

                — Pegarei os objetos arcanos.

                Ela sorriu.

                — Eu te amo. — disse.

* * * * *

                Quando guardou o último utensílio na bolsa de componentes, um par de asas de morcego amarrados em uma fita feita raiz, Simion deixou escapar uma lágrima de desespero e socou a parede. Seu coração encontrava-se escuro, sua alma pesada. Os dois iriam juntos para o inferno. A joia que era seu coração podia não ser mágica, mas carregava dentro de si a imortalidade de sua raça. Hiraeth era uma humana, enquanto ele um ser de vida longa. Quando a mulher tocara no relicário pela primeira vez, Simion pôde provar da sensação que os mais velhos de seu povo descreviam: os sentimentos daquele que segurava a joia eram partilhados pelo seu dono, ambos se tornavam um, o elfo conheceu as sombras mais obscuras do passado de Hiraeth, e naquele momento descobrira que era uma bruxa.

                Ela o convenceu de que esse fato poderia ser facilmente ignorado se fosse amor verdadeiro, e ele se forçou a acreditar nisso por um tempo. Mas Hiraeth era uma mortal de vida curta, e quando o primeiro mês de lua cheia surgiu, ela lançou sobre a joia uma maldição. A vida do elfo seria drenada toda lua completa de cada meses, reduzindo sua longevidade e dando juventude à alma de Hiraeth. Os dois viveriam a mesma quantidade de dias de vida, os mesmos meses, os mesmo anos. Morreriam juntos.



                Simion carregou os equipamentos do ritual para fora, montando no cavalo junto à mulher e partindo em viagem. Trincou os dentes se amaldiçoando por àquilo. Ele sabia para onde estavam indo, e sabia como dar fim a seu sofrimento. Que fosse rápido, trair Hiraeth ficava mais difícil à cada hora. E se não o fizesse nesse mês, talvez fosse tarde demais.